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[Report] Tromso e a Caça às Auroras Boreais (Abril 2016)

calu

Membro Conhecido
Este report é-me particularmente querido. E especial. Quem tiver paciência de o ler na integra facilmente perceberá porquê. Há certo tipos de viagem que nos mudam ou que nos fazem apreciar ainda mais quem viaja connosco ou as pessoas que conhecemos.

Dedico este report em especial à Mimi, a super filhota de 10 anos que é uma autentica viajante de plano direito, apreciando e aguentando alegremente sejam safaris de 12h em África, sejam caminhadas de 6h na Croácia a ver cascatas, sejam dias sucessivos a dormir 4/5h em Tromso, após epopeias de 8 horas de caça noturna a auroras. E também à senhora Calu, incrível parceira de viagem há 16 anos e parceira de vida há mais ainda.

INTRODUÇÃO
O nosso planeta é incrível. Apesar da obstinada destruição que levamos a cabo em nome do progresso e que gradualmente acabará por destruir a maioria das belezas naturais que temos (veja-se o caso das notícias recentes e profundamente perturbadoras sobre a Grande Barreira de Coral da Austrália), a Terra resiste, ferida, mas não derrotada, e insiste em premiar-nos com inúmeros espetáculos naturais, preservando estoicamente uma montra viva da sua beleza e esplendor, esperando que a maioria de nós repare atempadamente o suficiente, para querer protegê-la e de alguma maneira, ajudar a mudar o rumo das coisas … ainda que essa mudança só possa ocorrer ao longo de várias gerações, como bem sabemos. Claro que uma tal mudança reveste-se hoje em dia de um caráter quase utópico e idealista, tão complexas que são questões como o aquecimento global, a destruição das zonas naturais, a sustentabilidade dos recursos energéticos, etc. Não quero entrar por aí.

Assim, quero sim dizer que sou, orgulhosamente e há já muito tempo, uma das muitas pessoas que está cada vez mais atenta ao esplendor do nosso planeta, à beleza das grandes e pequenas coisas que nos proporciona, e que defino cada vez mais como prioridade nas minhas viagens, o apreciar dos mais belos espetáculos que a natureza nos possa oferecer. Recentemente, já retirei grandes frutos desta abordagem. Não é por acaso que as 3 últimas viagens que fizemos estão entre as mais memoráveis dos nossos 15 anos como globetrotters. Experienciámos alguns dos momentos mais memoráveis e emocionantes das nossas vidas nos últimos 2 anos. Mas já lá vamos. Um report de cada vez ;)

Poucos fenómenos naturais captam a nossa imaginação e fascínio como as auroras boreais. Ao longo da nossa história, diferentes povos criaram lendas para tentar explicar o que é a aurora boreal. Os gregos pensavam que era Aurora, a deusa do amanhecer, passando pelo céu com sua carruagem para anunciar a chegada de um novo dia. O movimento das luzes era relacionado a Bóreas, o deus do vento do Norte. Foi por causa desse mito que o fenómeno ganhou esse nome. Para o povo indígena Sami, cujos descendentes ainda habitam alguns países do norte da Europa (incluindo a Noruega), as luzes da aurora boreal tinham origem nas almas dos mortos. Já os finlandeses diziam que elas surgiam quando uma raposa mágica balançava sua cauda e enviava faíscas ao céu. Esses e outros mitos só mostram o quanto esse fenómeno fascina as pessoas desde a Antiguidade e continua a fascinar hoje em dia. Não é à toa que muitas pessoas programam viagens para o norte da Europa e ou norte do Canadá só para poder experienciá-lo ao vivo.
Eu tornei-me numa dessas pessoas.
Aurora boreal vista do espaço
Antes de mais, o que é uma aurora boreal?
O professor wikipedia explica: o Sol solta constantemente rajadas de vento solar (umas vezes mais fortes, outras vezes mais fracas) carregadas de partículas chamadas íons. Após viajar pelo nosso sistema solar em direção à terra, cerca de 24h depois, uma parte dos íons fica presa na atmosfera da Terra, nas regiões onde ficam os polos magnéticos perto do polo norte (aurora boreal) e do polo sul (aurora austral), e colide com outras partículas de nossa atmosfera. A energia que resulta dessas colisões forma as luzes da aurora boreal.
As cores dependem da altitude e das partículas que colidem umas com as outras. A mais comum é a verde, quando os íons atingem partículas de oxigênio a uma altitude mais baixa. Também é possível ver luzes amarelas, vermelhas, azuis ou roxas, mas são mais raras e ocorrem mais durante tempestades solares mais fortes.
Video explicativo da aurora boreal:

PREPARAÇÃO
No ano passado cumprimos um sonho de infância ao fazer vários safaris em África. Ficaram fabulosas memórias gravadas a fogo nos nossos corações. Já este ano, voltou a acontecer o mesmo com a nossa roadtrip pelos parques nacionais dos EUA. Como tal, decidi que é em manter essa abordagem que reside um dos maiores valores que podemos retirar de viajar: viagens que nos acompanham nos nossos sonhos, que nos emocionam, que nos enriquecem ou transformam, seja pelas pessoas que nos acompanham, pelas que conhecemos, pelas experiências e vivências que nos proporcionam, por aquilo que descobrimos e pela maneira como essas vivências nos mudam e nos fazem crescer. E como nos fazem sentir que, quanto mais viajamos e mais sítios conhecemos, melhor entendemos o nosso lugar no mundo e quão pequeninos somos.
Aurora boreal vista do espaço
Recuperando uma frase minha de um outro report: “(…) com a areia esvaindo-se aos poucos, a ampulheta do meu subconsciente mantém-me em sentido para aproveitar a vida, sem urgências ou pressas, mas com consciência de que a nossa experiência na Terra não é permanente (…)”
Desde a primeira vez que vi uma aurora boreal num documentário na televisão que imaginei como seria ver este fenómeno ao vivo. E todos sabemos que por mais bem tiradas que sejam as fotografias ou vídeos, nada se compara à experiência de estar no local, em particular quando falamos de locais ou fenómenos naturais. Á medida que as redes sociais foram difundindo cada vez mais fotos, timelapses e vídeos incríveis das auroras boreais, assim foi crescendo o meu fascínio e desejo de ver este fenómeno pessoalmente. Depois do safari do ano passado, e após conferenciar com o concelho familiar, decidimos que estava na altura de tentar ver as auroras boreais.
Porquê “tentar”? Porque na natureza nada é garantido, por melhores que sejam as probabilidades em certa altura ou em certo local. Há sempre o risco de não termos sorte e de a natureza nos fechar a porta nessa altura. Assim, lancei-me de alma e coração no desafio de criar condições para que a nossa viagem pudesse ter as melhores probabilidades de sucesso em ver as auroras, ao mesmo tempo que desenhava um plano igualmente interessante de outras atividades, para a eventualidade de termos azar com o nosso principal objetivo. E manter uma certa filhota de 9 anos igualmente contente e interessada na viagem.

Pretendia dar-nos as maiores chances de sucesso, tendo em conta o nosso orçamento e alturas do ano em que podemos viajar. A investigação durou largas semanas (assim o ditou o trabalho que me interrompia 8h por dia). As ferramentas principais foram as do costume: google maps, tripadvisor, muitas buscas tipo “best places to see aurora”, “top places for aurora borealis”, “how to photograph auroras”, por aí fora.
Como provou a minha busca pelo tubarão baleia documentada no meu último report das Maldivas, a natureza dita as suas leis e os nossos objetivos muitas vezes não coincidem com a vontade dela. Os fenómenos simplesmente acontecem de acordo com o relógio natural das coisas. Eu estava determinado a evitar novo fiasco, como aconteceu em 2015 nas Maldivas com o gentil mas esquivo gigante dos mares.
Rapidamente me apercebi (com algum alívio) que a quantidade de informação sobre o tema é bastante vasta e detalhada, pelo que era uma questão de organizar essa informação de forma a tomar as melhores decisões.
Organizei um rol de perguntas para me ajudar a organizar o turbilhão de informação com que a net me inundava após cada busca, e para conseguir ir filtrando toda a informação, até chegar ao que eu pretendia:
  • Quais os melhores sítios no mundo onde se pode ver este fenómeno?
  • Onde se vê com mais com mais frequência?
  • Quais as probabilidades nas alturas em que posso viajar?
  • Quais as temperaturas médias nessa altura do ano?
  • Quais destes destinos são mais perto de mim?
  • Para quais consigo viajar mais barato?
  • Para além das auroras, que outras atividades interessantes podemos fazer nesse local?
  • Há atividades interessantes para crianças com 9 anos? J (uma das questões mais importantes para o sucesso da viagem)
  • Tenho algum amigo nesses destinos que possa visitar?
  • Há outros pontos de interesse que um destino tenha a mais que o outro?
  • …entre muitas outras …
Tive algum receio que, no final de tantas questões, não houvesse resposta aceitável ou um destino que resistisse a tamanho escrutínio. Felizmente, havia. Um nome aparecia continuamente como local top para ver auroras boreais, correspondia a praticamente todos os critérios e começava gradualmente a ficar gravado na minha mente como a solução definitiva: Tromso, na Noruega. Trom-quê, perguntam vocês?
Tromso. O apontador vermelho no mapa. Uma pequena cidade no norte da Noruega com quase 70.000 habitantes, já dentro do circulo polar ártico, a pouco mais de 2.200 km do Pólo Norte. Para terem um termo de comparação em como Tromso é MUITO a norte: a Islândia, local famoso pelos seus glaciares, paisagens incríveis e conhecido local onde se avistam auroras boreais está maioritariamente no paralelo 66. Tromso está no paralelo 69 (2 paralelos mais próximo do polo norte).
Ainda assim, Tromso apresentava temperaturas médias bastante amenas em março/abril, boa oferta de alojamento e alimentação, algo cara (Noruega, já se sabe), boas estradas e um aeroporto com voos diários e relativamente baratos de/para Oslo.
Em comparação com outros locais, o Alaska era demasiado longe, caro e remoto para crianças, Islândia parecia ter menos atividades de interesse para crianças (embora seja um destino incrível e já constasse da minha shortlist de próximas viagens) tinha logística mais complicada e menos oferta de tours de auroras. Na altura do ano em que queríamos fazer a viagem, o local mais propício era também Tromso e tinha ainda a vantagem de me fazer passar por Oslo, onde vive um amigo de infância.
Em vários sites, é referido que a probabilidade de ver em Tromso é superior a 80% durante a temporada (setembro a abril), altura a partir da qual a noite fica cada vez mais pequena até que o sol não baixa sequer ao horizonte. Isto significa que Tromso também é um excelente local para observar o sol da meia noite. No ano passado, um dos operadores de tours de auroras que usámos, teve uma taxa de sucesso nos seus tours de 87%. Como poderão ver mais abaixo nas informações, decidi pre-contratar tours de auroras.
Porquê tours e não ir à procura por conta própria? Mais uma vez, teve muito a ver com o tentar aumentar as nossas possibilidades. Pelo que tinha lido antes, uma pessoa nesses sítios até pode ter a sorte de ver no único dia em que está em Tromso e no limite, até da cama do seu hotel. Da mesma maneira, também pode acontecer passarem-se 3 ou 4 dias e não conseguir ver porque dois dias esteve o céu nublado à noite e nos outros dois a atividade solar era fraca durante as horas em que se andou a olhar para o céu. Os caçadores de auroras têm larga experiência sobre como maximizar as possibilidades de se ver este fenómeno. Começa na sua análise detalhada das informações climatéricas de cada dia, como as camadas de nuvens (high, medium, low clouds), como a previsão solar das auroras (sim, há sites/apps que nos dão informação sobre quais os dias em que a atividade solar vai resultar em maior possibilidade de auroras mais fortes), como situações ainda mais específicas do tipo esta zona é menos propícia a ter acumulação de nuvens do que esta (menos nuvens=maior possibilidade de ver auroras) Também eles conhecem como ninguém os locais mais fotogénicos em que há menos elementos a bloquear a paisagem, ou em que locais faz menos vento enquanto estamos parados ao frio a olhar para o céu durante largas horas. Em suma, para quem não tem experiência e quer maximizar as probabilidades de sucesso, começar com um tour é, na minha opinião, o mais recomendável. Depois de já conhecer alguns dos truques que eles usam, a partir daí é diferente, como poderemos ver mais adiante. Ademais, estes tours que escolhi são feitos em carrinhas de grupos bem pequenos (9 a 12 pessoas) e não aqueles autocarros enormes cheios de variáveis que ninguém controla.

INFORMAÇÕES
  • Viajantes
    • O Calu, a senhora Calu e a filhota mini-Calu (nickname: Mimi)
  • Voos
    • Lisboa > Oslo > Lisboa
      • TAP
      • Duração 4h cada trajeto
      • 320 EUR pelos 3 (usei milhas, paguei só despesas)
      • Se não tivesse usado milhas, ficava em cerca de 750 EUR cada adulto.
    • Oslo > Tromso > Oslo
      • Norwegian Airlines
      • Duração 2h
      • 713 EUR pelos 3
  • Alojamentos (booking.com)
    • Aeroporto Oslo: Scandic Gardermoen (1 noite)
    • Tromso: Scandic Ishavshotel (6 noites)
    • Oslo: casa de amigo de infância em Oslo (2 noites)
  • Serviços pré-reservados (conta própria)
    • 2 Aurora Tours em mini van (Arctic Explorers, excelente)
    • 1 Aurora Tour em base camp (Tromso Safari, razoável)
    • 1 Lapland Huski Sled tour (Viator.com)
    • 1 Snowmobile tour
    • 1 Cross country/Snowshoeing/Tobogganing tour (Viator.com)
  • Aluguer de carro
    • 1 aluguer de 1 dia ao início (Avis, dava jeito para ganhar milhas)
    • outro aluguer de 2 dias já perto do fim da viagem (Avis, dava jeito para ganhar milhas)
  • Trajeto
    • Lisboa > Oslo > Tromso > Oslo > Lisboa
A VIAGEM
O Dia Da Impaciência
Dias 1 & 2 (25 & 26/04)

O voo Oslo>Tromso era bem cedo, pelo que fizemos Lisboa>Oslo no dia anterior a meio da tarde, dormimos num hotel perto do aeroporto de Oslo (nem fomos à cidade) e apanhámos o voo Oslo>Tromso cedinho. Duas horitas depois, quase a chegar ao nosso destino, começamos a ver a maioria das pessoas a olhar pelas janelas, apontando para aqui e para ali, expressões de genuína surpresa e largos sorrisos de excitação.
As máquinas fotográficas disparam tão rápido que até fumegam. Depressa percebemos porquê. A maioria são turistas como nós e estão deslumbrados pela paisagem gelada que desfila a nossos pés.
O céu está azul, polvilhado com algumas nuvens. Um sol glorioso brilha nos picos de açúcar das pequenas ilhas geladas que povoam o mar da Noruega.
A excitação que paira no ar é reminiscente daquela que sentimos aquando da primeira vez que vimos os atóis das Maldivas a partir do ar.
Saco também eu da minha Josefina (a fiel Canon 70D) e faço os primeiros registos de uma viagem que para sempre ficará num cantinho especial do nosso coração. “Bem, isto promete.” pensei. Após a aterragem e um serviço de entrega de bagagens que nos fez lembrar os piores desempenhos da Ground Force no aeroporto de Lisboa, aproveito o wifi do aeroporto para verificar os emails e a previsão do tempo para logo à noite. São 10 da manhã e o sol matinal pôs-me otimista para uma grande primeira noite de auroras. A sensação de estar no circulo polar ártico e finalmente no sítio onde posso cumprir um dos meus grandes sonhos de viajante põe-me num estado de grande antecipação. Ainda antes de conseguir ver a previsão meteorológica, sou trazido de volta à terra: um email que recebi há minutos da Arctic Explorers informa-me que a previsão para hoje à noite é muito má num raio de 200 km em redor de Tromso (a área que normalmente eles cobrem). Dizem-me que as 3 camadas de nuvens estarão muito densas e que não estão previstas abertas até pelo menos às 04:00 da manhã, seja na costa em Sommaroy, seja na zona em redor de Tromso, seja para sul, seja próximo da fronteira da Finlândia (o mais longe que eles costumam ir). Perguntam se eu quero cancelar e obter um refund, se quero marcar para outro dia ou se quero ir na mesma.
A minha expressão muda de “wohooo!” para “#%#|\&$# !!!!”. A minha mulher olha para mim e percebe logo. Como que um parasita alojado silenciosamente na nossa mente, à espera do momento certo para nos pôr de rastos, vem-me de imediato à mente o fracasso das minhas tentativas de nadar com tubarões baleia nas Maldivas o ano passado. É como se me tivessem dado um murro no estômago. Depois do primeiro impacto, recupero o animo. Afinal, não sou propriamente um principiante e planeei esta viagem de maneira a que tivesse oportunidades e tempo suficientes para poder apreciar este fenómeno tão incrível. Não posso fazer nada para mudar o tempo, e decido que quando chegar ao quarto do hotel, ligo para eles e depois decidirei calmamente, após ouvir atentamente o que a experiência dos aurora chasers dita.
Importa fazer um pequeno à parte muito importante. Para se poderem ver auroras, em termos muito básicos, é necessária a conjugação dos seguintes fatores:
  • Estar num local do planeta onde se pode avistar o fenómeno com frequência;
  • Irmos numa altura do ano em que seja possível avistar o mesmo (haver noite/escuridão);
  • Haver atividade solar suficiente (de preferência tempestades solares, que acontecem talvez 1x de 2 em 2 semanas, mais ou menos)
  • E um “pequenino” pormenor final: tem que se conseguir ver o céu, entre nuvens ou numa situação ideal, sem nuvens.
Todos os pontos acima estavam mais ou menos garantidos (e bem). Só o último fator (nuvens) estavam a condicionar este primeiro dia. Saímos então calmamente do pequeno e tranquilo aeroporto de Tromso. Recebemos o primeiro bafo fresco do ártico. Como esperado, não é nada de mais. Estão uns confortáveis 8º e as nossas roupas e casacos são perfeitamente adequados, quer a esta temperatura habitual em Portugal no Inverno, quer aos -3 que são a temperatura mais fria que está prevista para as noites. Como disse anteriormente, para um local tão a Norte no nosso planeta, estas temperaturas são mesmo muito amenas. Após uns 15 minutos de espera, compramos os bilhetes no autocarro que liga o aeroporto ao centro de Tromso (Flybuss). Cerca de 15 minutos depois, chegamos ao nosso hotel. Haviam vários hotéis mais baratos (cerca de 30/40 EUR por noite mais baratos) mas uma vez que o orçamento assim o permitia, optei pelo Scandic Ishavshotel pelas seguintes razões: a sua localização era o mais central possível, com vários restaurantes e lojas ao pé, era um dos sítios de onde saem os tours de auroras, a maioria dos quartos tinha vista mar e de acordo com as reviews, o pequeno almoço (incluído) era excelente.
Pedi um quarto com vista mar e quando chegámos ao mesmo, tivemos a nossa recompensa: uma pequena varanda com uma vista excelente, em que até de uma das camas dá para ver o outro lado de Tromso, a famosa ponte e até a catedral de Tromso. Também na outra margem, vemos ao longe o Tromso Cable Car, um teleférico espetacular que leva os viajantes até ao topo dessa serra, mas que infelizmente estava fechado para manutenção.

Ligo para o Artic Explorers. Respondem a todas as minhas dúvidas e preocupações com um profissionalismo e honestidade quase desarmantes, como se estivessem a aconselhar um familiar deles. Apesar de me referirem sempre que “é bastante dinheiro, pense bem”, retenho um dos principais conselhos que me deu:
“Para ver auroras, quantas mais noites andarmos lá fora, maior é a probabilidade de se ver.” Como Domingo (amanhã) já tenho outro tour, pergunto se é possível reagendar para 2ª ou 3ª feira, mas respondem-me que nesses dias já têm as carrinhas cheias e não têm mais tours. Pesando os inúmeros fatores, e apesar de a possibilidade de vermos hoje ser remota, decido que vamos na mesma. Mesmo que seja uma desilusão esta primeira noite, restam-nos 5 outras noites para tentar novamente. E se não correr bem e a filhota ficar também desiludida, no dia seguinte logo de manhã planeei um tour de huskies, para levantar novamente o moral ao pessoal, caso esta primeira noite não corra tão bem. Este equilíbrio é absolutamente fundamental para fazer funcionar este tipo de viagens com crianças desta idade. E também ajuda ao moral dos adultos, claro. Afinal, ninguém é feito de ferro.
Após almoçar numa pizzaria em frente ao hotel, decidimos ir ao aquário Polaria que fica a uns meros 300m, deixando o Polar Museum para outro dia.
O Polaria lembra um pouco o aquário Vasco da Gama, no sentido em que é pequenino, mas tem um certo charme e espécies interessantes. O ponto alto do Polaria é o aquário das focas (inserir espécie) onde é possível assistir à alimentação das mesmas a horas específicas. Passamos aqui pouco menos de 2h. No caminho de regresso ao hotel, passeamos pela agradável “baixa” de Tromso, que intervala algumas belas lojas tradicionais com lojas de grandes marcas internacionais. Está tudo coberto de neve e quando vemos um jardim publico numa pequena colina com um grande tapete branco, não resistimos.
Ready, set, go!
Desatamos a atirar bolas uns aos outros que nem uns malucos, enquanto Tromso continua a sua vidinha calma na estrada em frente ao jardim. Revisitamos ainda vários clássicos da neve como por exemplo a corrida a rebolar pela encosta a baixo, que termina com o pai Calu como vencedor, sendo que a filhota Calu terminou num honroso 2º lugar. O melhor de tudo foi, entre reboladelas, notar as caras pasmadas dos transeuntes que nos observavam. Isso e não ter dado de caras com um calhau grande enterrado na neve a meio da descida.
Seguiram-se outros clássicos como deitar na neve e o abre e fecha pernas/braços na neve como toda a gente já viu nos filmes (rebolar é muito mais divertido) e ainda, o nosso primeiro boneco de neve. Á medida que a tarde avança e o tempo começa a arrefecer, vou constatando com muito agrado que as roupas e acessórios que comprámos são bastante adequadas para as temperaturas que se fazem sentir e mesmo para brincar na neve.
A caminho do hotel, passa por nós um coelho da páscoa de quase 2 metros, que vai oferecendo ovos de Páscoa às crianças na rua.
Nesta altura do ano, em função das condições de luz, os tours de auroras têm início cerca das 18:30 e terminam algures entre as 00:00 e 04:00, altura em que já começa a nascer o sol. A hora de regresso depende de vários fatores como se já se viu ou não, se as pessoas já estão satisfeitas e querem regressar mais cedo, ou se ainda não se viu e tem que se ir mais longe para descobrir abertas no céu nublado, etc. Á hora marcada, encontramo-nos com a Johanna, uma simpática aurora chaser norueguesa de origem francesa com 20 e poucos anos. Vai-nos explicando que a previsão não é boa (conforme já sabíamos) mas que vai dar o seu melhor para nos ajudar a atingir o objetivo. Explica-nos que esta noite têm 3 tours (só da empresa deles). Cada carrinha sai para uma zona distinta e todos mantêm constante comunicação uns com os outros, sobre abertas no céu e avistamentos de auroras.
Pelo que me explica, tipicamente um deles sai na direção da costa, outro na direção da fronteira com a Finlândia e outro a rondar outros pontos à volta de Tromso que são bons para observação do fenómeno. Reparo que o principal indicador que eles vão consultando para análise às nuvens é a app/site Yr do Norwegian Meteorological Institute (tem efetivamente 3 níveis de nuvens na previsão). A Johanna explica-nos que primeiro vamos passar pelo escritório deles para “suit up”, ou seja, enfiarem-nos dentro de uns fatos especiais que nos ajudam ainda mais a suportar quaisquer condições adversas que possam surgir enquanto passamos horas quietos ao frio a olhar para o céu. Assim que fala que também haverá chocolate quente, bolinhos noruegueses, e até marshmallows à fogueira, vêem-se sorrisos em todos, principalmente na Mimi. A carrinha leva 9 a 10 pessoas e é confortável. Chegados ao escritório deles, apesar de levarmos as nossas próprias camadas térmicas e casacos/calças de neve, eles insistem que por cima das mesmas devemos vestir os fatos deles. Vendo a guia a vestir o fato por cima também de calças de neve, nem questiono a decisão. Os fatos são gigantescos e sinto-me que vesti um cortinado de lona grossa. A Johanna diz que deve ser mesmo assim para que o ar possa circular, caso contrário a transpiração pode criar grande desconforto, por exemplo quando se está dentro da carrinha.
De acordo com ela, as botas que nos dão para calçar por cima das nossas meias de neve e da segunda camada de meias de neve que eles nos dão, estão testadas para -60º e são os modelos tipicamente usados por quem frequenta os sítios mais frios do planeta. Basta olharem para a foto para terem uma pequena ideia de como nos sentimos lá dentro. De início, é tão desconfortável e estranho como a fotografia evidencia, mas depois habituamo-nos e conseguimos mexer-nos bem.
Encontrar um fato para a Mimi que não a faça sentir-se um anão foi um exercício interessante, mas afinal lá encontramos um modelo para pessoas mais pequenas que lhe serve. Mais ou menos ;)
Connosco vão dois outros casais que não ganharão nenhum prémio de simpatia, apesar das nossas tentativas e da guia. O céu está coberto em Tromso. Por volta das 19:30 saímos em direção para Sul. A Johanna está em comunicação constante com os colegas. Á medida que o tempo vai passando, fazemos 2 ou 3 paragens em locais que eles costumam usar mas o céu continua completamente encoberto. Faz-se também uma paragem numa estação de serviço para quem quer ir à casa de banho (belo do café e waffles) e continuamos. Passadas umas duas horas, chegamos a Skibotn, local onde costumam ter bons resultados, mesmo em noites difíceis como esta, em que as nuvens dominam o céu. Assentamos arraial. Estamos num pequeno e bonito vale, onde um pequeno ribeiro desliza em direção ao fiorde mais próximo. A Johanna saca da lenha e de todo o estaminé que tem na traseira da carrinha e faz uma bela fogueira. Começa a assar marshmallows enquanto nós nos concentramos no céu à procura de abertas. Uma vez mais, ela contacta com os seus colegas que ainda nem sequer conseguiram ver céu, só nuvens. O local é agradável mas o que o pessoal quer mesmo é as auroras, apesar de estarmos todos cientes que o mais provável é não ver nada hoje. São umas 23:00 e ainda nada. Estão cerca de 0º e estamos há algumas horas ao frio (quem quer pode ir à carrinha ou ficar lá dentro um pouco) mas as várias camadas que temos impedem que sintamos frio. Mesmo no pico do Inverno, quando as temperaturas aqui podem chegar aos -15 ou -20 nestas caças às auroras, os fatos conseguem insular o principal do frio. Diz-me a Johanna que na vasta maioria das zonas que rodeiam Tromso, regra geral há pouco vento, o que é excelente já que zero graus sem vento é uma coisa. Zero graus com vento de 30km/h, seria algo completamente diferente (equivalente a uns -8º talvez).
Nesta altura, há uma pequena aberta por entre as nuvens e a nossa esperança aumenta ligeiramente. Passados uns 15 minutos, começa-se a notar uma pequena mancha verde no céu e a guia confirma que se trata da aurora boreal.
 
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calu

Membro Conhecido

No entanto, é tão fraquinha e está tão aprisionada pelas nuvens que ninguém fica realmente muito excitado. Tiramos uma ou duas fotos e ficamos com a sensação que será o melhor que conseguiremos ver esta noite, uma vez que o deus das nuvens decidiu fechar o céu a sete chaves esta noite. Mudamos de local e procuramos abertas no céu em 2 outros locais durante mais uma hora. Conformados, por volta das 02:00 damo-nos por vencidos e concordamos que o melhor é regressar ao hotel. Eu tinha a minha expectativa já baixa para esta noite, pelo que sinceramente não fiquei muito afetado, tirando a dor óbvia do dinheiro investido (e não foi assim tão pouco). O moral da Mimi ficou um pouco em baixo, mas lembrei-lhe que daí a poucas horas estaríamos com os muito desejados huskies e passaríamos uma manhã inteira com eles. Ademais, ainda temos as tais 5 noites adicionais para tentar e as probabilidades são muito elevadas. Já nesse mesmo dia à noite teríamos tour de auroras com outro operador, e passados 2 dias, ainda outro tour novamente com o Artic Explorers. Chegamos ao hotel cerca das 04:00. Penso que ainda conseguiremos dormir 4 horas, mas a Johanna lembra-me que precisamente hoje muda a hora e já são 05:00 afinal. Perfeito. Se fosse um turista inexperiente provavelmente ficaria a lamuriar-me da minha má sorte e lançaria expressões do tipo “que galo” ou o clássico “isto só a mim”, mas acabo por sorrir para a senhora Calu, sai-me uma sincera gargalhada e lanço para os céus uma pergunta retórica, como que em tom de desafio: “Mais alguma coisa? Hum? Não?”

Voando sobre um ninho de huskies
Dia 3 (27/03)

Acordamos passadas apenas 3 horas (sim, tudo isso) e descemos ainda meio azamboados em direção ao pequeno almoço, mas assim que vemos o excelente buffet à nossa frente, já só pensamos em encher o bandulho com aquelas iguarias para estarmos bem reestabelecidos, apreciar o nosso passeio com os huskies e brincar com eles.
O buffet tem uma excelente variedade de queijos dos mais variados tipos, uma enorme variedade de fruta fresca, panquecas acabadinhas de fazer, doces caseiros feitos localmente (de acordo com as etiquetas), sumo de laranja natural, etc. Têm também várias opções especificas para os vários tipos de alergias alimentares. Os janelões enormes do hotel permitem ver o mar e a belíssima paisagem que serve de fundo à ponte de Tromso ao longe. Cerca das 09:30 vêem-nos buscar para irmos para Villmarkssenter, um conhecido centro de criação e atividades com huskies. O centro está a cerca de 35 minutos de Tromso e durante o percurso, apercebemo-nos de quão bela é toda a zona à volta de Tromso. Várias ilhas cobertas de um manto branco são ligadas por pontes e proporcionam um cenário tão calmo, como sedutor. Não há trânsito, não há grande movimento, e há uma sensação predominante de tranquilidade.
Chegados ao centro, somos divididos em dois grupos: uns vão já fazer o passeio de cerca de 1h com os huskies, puxados num trenó, e os outros vão ver, pegar e brincar um pouco com os huskies bebé do centro, ou interagir com os outros cães que nos vão puxar quando chegar a nossa vez de fazer o passeio. “Alguém disse huskies bebé?!?” A Mimi não fica nada incomodada de não fazer já o passeio, claro. Começamos por fazer festas e brincar um pouco com vários dos huskies.
Esta espécie de huskies não são os maiores e mais peludos huskies do ártico. Esta espécie mais comum nesta latitude é menos peluda, um pouco mais pequena, mas ainda assim adoram a neve e adoram ter uma tarefa e um objetivo, como nos explica o guia local. Vejo a excitação dos que ficam (a quererem ir também) quando os outros cães vão sendo levados para iniciarem o passeio com o outro grupo. Eu adoro os huskies do ártico, mas estes também são muito bonitos e é fácil sentir os minutos a escorrerem por entre os nossos dedos, enquanto lhes fazemos festas ou brincamos com eles. Mas cães bebé são cães bebé e ganham sempre. Estes huskies bebé são das coisas mais fofas que alguma vez verei na vida.
Quase me rebentava a cabeça de tanta fofura. O olhar deles, a maneira como se aninham no nosso colo… enfim, as fotos falam por si.
Escusado será dizer que quando nos dizem que está na altura do passeio, nem demos pelo tempo passar e foi quase 1 hora. Por enquanto, o tempo colabora connosco e está uma temperatura agradável e vê-se céu azul entre nuvens retalhadas. O que não daria por estas abertas de céu limpo apenas umas horas antes… A paisagem envolvente é lindíssima. Colinas sucessivas de um branco imaculado, salpicadas com pequenas árvores e arbustos despidos da sua folhagem, envolvidas num silêncio tranquilizante quebrado apenas aqui e ali pelos latidos de excitação dos cães. Dão-nos a opção de vestirmos novos fatos por cima da nossa roupa e calçar botas específicas deles. Como o tempo está bom, declinamos para nos podermos mexer melhor, mas imagino que quando está mais frio ou mesmo a chover, aceitar o fato seria imprescindível. Perguntam se alguém quer conduzir um trenó (apenas adultos). Ofereço-me de imediato e após uma sessão de 5 minutos de explicação do que devemos fazer, preparo o suporte peitoral da go-pro e ligo a máquina. A senhora Calu e a Mimi sentam-se num outro trenó atrás do meu, que será conduzido por um dos guias locais, já que crianças não podem ser conduzidas por tótós inexperientes como eu.
Eu vou conduzir uma senhora australiana com os seus 30 anos, e a meio caminho, trocaremos de posições. O céu fechou um pouco mais mas não está prevista chuva, e felizmente assim se veio a confirmar. Temos cerca de hora e meia de passeio à nossa espera e começo a perguntar-me se isto terá sido boa ideia, já que desconheço quão fisicamente exigente será para quem conduz. Em média cada trenó é puxado por 6 a 10 cães, dependendo do tamanho do trenó e dos ocupantes. Os cães estão numa excitação tremenda e já fazem força para puxar, mesmo quando os travões dos trenós ainda estão firmemente enterrados na neve.
Eu tenho os pés em cima de duas pequenas tábuas de madeira que saem a direito pela parte de trás do trenó (uma à esquerda e outra à direita), sendo que entre estas tábuas está o travão de pé, uma barra de metal dentada. Começando a suar um pouco, apesar da temperatura fresca que se faz sentir, começo a pensar se conseguirei manter-me em cima disto nas subidas e descidas que aí vêm, com as botas cheias de neve deslizante e escorregadia.
Há 2 travões: um travão principal que se enterra na neve ao lado do trenó quando queremos “estacionar”, e o travão de pé que se encontra no meio dos estrados onde temos os pés e que é usado para controlar a velocidade do trenó, evitando que ganhe demasiada velocidade nas descidas. É um mecanismo que pode não só evitar quedas dos ocupantes, como também evitar que o trenó possa magoar os cães, caso este ganhe mais velocidade numa descida do que aquela a que os cães estão a correr. O guia avisa-nos também que nas subidas, temos que tirar os pés do trenó (mantendo as mãos fixas na barra do mesmo) e correr atrás do trenó a empurrar, com o intuito de aliviar o peso a puxar pelos cães, e ajudá-los com a nossa força. Ok, tudo bem …
Esperem, o quê? Enquanto o trenó é puxado, tenho que saltar do trenó para a neve fofa, desatar a correr atrás dele enquanto os cães também puxam o trenó e ele se afasta de nós? E depois saltar novamente para o trenó, para cima daquelas duas tabuinhas minúsculas e que agora me parecem tão largos como alfinetes? Hum. Ok, isto vai ser interessante. Uma vez que a minha mulher vem no trenó imediatamente a seguir ao meu, começo a visualizar um certo vídeo a ir parar ao canal FailArmy no youtube: um tuga escanzelado e aparentemente confiante conduz altivamente um trenó puxado por huskies. Passados uns segundos, o vídeo mostra o dito indivíduo a pregar um grande malho quando as pernas se entrelaçam ao sair de um trenó puxado por huskies. Levantando-se rapidamente com a cara cheia de neve (não sem antes voltar a cair na neve) finalmente arranca para perseguir o trenó que entretanto prossegue alegremente o seu caminho. O individuo aparenta então alguma frustração, quiçá raiva, ao parar de correr e desatar a fazer gestos menos próprios, gritando com os arbustos e pessoas imaginárias, atirando bolas de neve ao trenó, bolas essas que falham obviamente o seu alvo, tal é a distância que o trenó entretanto pôs entre os dois. No fim do vídeo, o trenó onde viaja a máquina que está a filmar o vídeo acabar por abalroar o dito individuo, que ignorou os repetidos avisos de quem estava a filmar.
Um grito que sinaliza a partida dos nossos trenós arranca-me deste torpor. Os guias levantam os travões dos vários trenós e finalmente pomo-nos em marcha. É mais fácil mantermo-nos em cima do trenó do que pensava, pelo menos enquanto ele desliza pelas planícies. Vamos deslizando graciosamente e a boa velocidade enquanto descemos ligeiramente terrenos com ligeiras inclinações. Chegados à primeira “subida”, e assim que o trenó abranda abruptamente, salto para a neve e desato a correr, empurrando ao mesmo tempo. Para minha surpresa, o trenó praticamente mantém a mesma velocidade e sinto-me confortável mesmo sabendo que estou fora do veículo que é suposto transportar-me. Chegados ao topo da pequena elevação, dou uma corrida mais forte e de seguida salto para o trenó. Para minha surpresa, os meus pés aterram exatamente onde é suposto. Quem diria.
Começamos a descer de forma pronunciada e é tempo de dar um toque no travão, pisando com o pé direito o mecanismo entre os meus pés, e forçando o metal dentado a roçar ligeiramente no solo gelado, diminuindo assim a nossa marcha de forma ligeira.
Depois do stress relativo da subida e da descida rápida, sinto que já tive que aplicar as principais técnicas necessárias a esta viagem e a confiança sobe em flecha. Perigo, eu sei. De qualquer forma, sinto que estou mais relaxado e consigo desfrutar a paisagem, uma vez que já não estou tão preocupado com a execução de algo que nunca tinha feito e não sabia como era. Conduzir o trenó está a tornar-se numa experiência verdadeira única e transbordo felicidade. Segue-se uma zona de altos e baixos, após o que a paisagem abre numa planície gelada espetacular rodeada por árvores e sem casas à vista, onde o trenó ganha velocidade. É altura de ir à boleia, dando apenas um pequeno toque no travão aqui e ali, para evitar que ganhe demasiada velocidade. Agora consigo verdadeiramente apreciar tudo o que me envolve. E a sensação é qualquer coisa de espetacular. O vento acaricia-me o rosto, enquanto tímidos raios de sol me aquecem a alma. A paisagem que desliza por mim está impregnada de anos de vida.
De vez em quando, reparo que alguns huskies se esticam um pouco mais para o lado, desviando-se da verticalidade da formação e baixam-se, ainda a correr. Qual não é a minha surpresa ao verificar que, qual maratonista a passar por um checkpoint, eles simplesmente estão a comer neve e a hidratarem-se.
Nem dou pelo tempo passar. Foi quase 1 hora até aqui. Depressa demais, está na altura de deixar a condução e trocar com a passageira do trenó. Estou um pouco cansado das várias subidas que me forçaram a sair do trenó e a ajudar os huskies, mas continuava até ao fim, se me deixassem. Na boa. Por outro lado, agora no lugar do passageiro, posso mandar bocas à minha condutora do tipo “Is that all you’ve got?” ou “Faster! You’re as quick as a snail!”. Opto por fotografar e apreciar a paisagem.
Assim que retomamos a marcha e encontramos as primeiras colinas, meu traseiro recorda-me que o trenó não tem amortecedores. A posição mais baixa e uns aromas suspeitos que de vez em quando invadem as minhas narinas fazem-me notar algo que até agora me tinha passado completamente despercebido: tenho 8 traseiros de animais em esforço diretamente à minha frente. E afinal, estamos na natureza. Passados uns minutos, uma pessoa habitua-se.
Á medida que nos aproximamos do acampamento, voltamos a ver algumas casas ao longe e apesar de estar triste por estar a acabar, a verdade é que o meu estômago já clama por conforto.
Terminada a espetacular viagem de quase duas horas, entramos num belo yurt de madeira (tenda ou cabana circular usada tradicionalmente pelos pastores nômadas mongóis e outros povos da Ásia Central) onde almoçamos uma bela sopa típica (tipo guisado) que inclui legumes vários, batata e pequenos cubos de carne de rena (Reinsdyrgryte) e que é potente o suficiente para nos aconchegar o estomago. Acompanhamos com o típico pão e o bolo “nacional” norueguês (Kvæfjordkake). Há um burburinho na tenda, que conjuga essencialmente sorrisos, gargalhadas e conversas sobre o que acabou de se passar. Toda a gente está muito feliz com as últimas duas horas. Depois de um cafezinho, ainda temos oportunidade de voltar a pegar nos pobres huskies bebé, que nesta altura terão que ter muita paciência com os chatos dos turistas que não resistem aos seus encantos.
De volta ao hotel a meio da tarde, falo com a Arctic Explorers e dizem-me que a previsão de hoje é igual à de ontem. Não aconselham a ir novamente. O sorriso que até então estava omnipresente na minha face desaparece quase de imediato. Outro dia perdido? Caramba, será possível que isto irá mesmo correr mal, com uma probabilidade tão elevada à partida? Passados uns minutos de conversa, surge uma pequena luz ao fundo do túnel: dizem-me também que a previsão para amanhã é excelente, quer em termos de céu limpo, quer também a nível solar, já que houve uma pequena tempestade solar e que atingirá a nossa atmosfera amanhã. Isso significa ainda maior atividade ao nível das auroras. Dizem-me que está toda a gente a marcar ou remarcar para amanhã. Nem penso duas vezes: cancelo de imediato o tour desse dia, decido que vamos ficar a descansar e marco para o dia seguinte. Atenção que uma vez que a maioria dos tours são com carrinhas pequenas (o que é MUITO bom do ponto de vista de serviço), isto significa também que a disponibilidade é muito reduzida, principalmente quando marcado em cima da hora.
Com a perspetiva de que amanhã estão reunidas todas as condições para um verdadeiro espetáculo boreal, o nosso ânimo recupera os níveis da manhã.
Entretanto, deixo o pessoal no hotel e apanho o autocarro para ir ao aeroporto buscar o carro que aluguei para amanhã darmos um passeio pelas redondezas. Há inúmeras agências em Tromso mas estão todas fechadas hoje, já que é feriado. A únicas que estão abertas são as do aeroporto. Ao entrar no autocarro, assim que peço o bilhete, o condutor pergunta-me “Brasileiro?”, ao que respondo de imediato “Português” e o rosto do condutor ilumina-se como se tivesse reencontrado um velho amigo.
Com um amigável rosto bonecheirão e tez típica do brazuca, começa a falar comigo como se estivéssemos no café, quando arranca. Devolve-me duas notas de 100 Kr (paguei-lhe com uma nota de 200 Kr) e diz-me baixinho que esta é por conta dele. Sento-me no lugar da frente e trocamos inúmeras impressões sobre a experiência dele na Noruega e o quanto ele sente a falta de uma boa feijoada ou picanha. Queixa-se do frio (como seria de esperar) e da mulher norueguesa com quem esteve casado durante 17 anos e de quem se divorciou recentemente. Falamos de futebol e como todas as coisas boas e inesperadas, rapidamente é chegado o momento em que chegamos ao aeroporto e terminamos a nossa alegre converseta. Despedimo-nos com um forte e sincero aperto de mão e trocamos de desejos de nos reencontrarmos nos próximos dias, quando eu voltar a andar de autocarro. Infelizmente, tal reencontro não se voltou a propiciar nas várias vezes em que voltei a andar na mesma carreira. O carro que me atribuíram não tinha pneus de neve com picos. Volto atrás e peço que me troquem a viatura por uma que tenha esses pneus. Para quem não está habituado a conduzir com uma mistura de chão com gelo, sujidade, neve e/ou chuva, recomendo vivamente. Regresso ao hotel, pergunto onde posso estacionar sem pagar e felizmente é uma zona próxima a apenas 200 metros.
Chegado ao quarto, deito-me na cama a apreciar a bela vista de fim de tarde que o quarto nos proporciona. Acabamos por jantar num belo restaurante tailandês situado a uns 3 quarteirões do hotel. Rondando uns simpáticos 4 graus, a temperatura à noite mantém-se bastante amena e perfeitamente suportável.

Em Busca Da Aurora Perdida
Dia 4 (28/03)
Após novo glorioso e reconfortante pequeno almoço, dirigimo-nos ao tourist center próximo do hotel, com o intuito de obter algumas sugestões, mas desistimos ao ver a fila. Uma vez que eu já tinha uma certa ideia formulada no dia anterior à noite, pegamos no carro e saímos em direção à costa, nomeadamente Sommaroy, onde inclusivamente ouvi dizer que há belas praias (não que esteja a pensar nadar num mar gélido).
É suposto ser um caminho bastante cénico. Á medida que galgamos quilómetros, e apesar de alguma chuva no início do passeio, verificamos rapidamente que foi uma boa opção. Ainda assim, fico com a sensação que qualquer passeio que se dê por estas bandas será sempre espetacular, tal a beleza dos fiordes e relevos que nos envolvem.
Felizmente as estradas estão bem limpas e o carro tem boa aderência. Ainda não nevou desde que chegámos (estamos no fim da época) mas tivemos a sorte que nevou pouco antes de chegarmos, pelo que mesmo durante todo o trajeto, está tudo branquinho, incluindo as zonas mais baixas, que inclusivamente apresentam em certos locais quase 1 metro de neve à beira da estrada.
Em algumas das montanhas pelas quais vamos passando, notamos várias pessoas a fazerem atividades desportivas em free style, algo que é muito popular na Noruega e pelo que me dizem, este país é dos melhores do mundo para atividades free style na neve. Basicamente, isto passa por alugar o material para a atividade que pretendemos (ice climbing, downhill, cross country ski, etc) e depois simplesmente ir para o meio do nada onde há um lugar que seja adequado a essa prática (por estas bandas há muitos sítios assim) e toca a mexer. Em Tromso há várias lojas onde podemos alugar os mais variados equipamentos para prática de todas as modalidades de inverno e mais algumas.
Uma das modalidades mais arrepiantes e ao mesmo tempo espetacular é o ice climbing. Não me surpreende que seja popular por estas bandas, já que passamos por inúmeras cascatas geladas (algumas à beira da estrada).
Á medida que nos aproximamos da costa, a neve começa a tornar-se menos frequente. Com o sol a colaborar, chegamos às afamadas praias. Envoltas num manto de neve e contrastante erva seca, e iluminadas pelo sol que desperta, as sucessivas baías revelam um mar calmo e cristalino, um autêntico regalo para os olhos.
Sem o abrigo das montanhas, aqui o vento faz-se sentir de uma forma cortante, ao contrário de Tromso. Vamos mesmo até à ultima ilha, passando a ponte de sentido único que requer semáforos e passagem alternada, antes de iniciarmos o caminho de regresso.
Seja perto da costa, seja no regresso, a paisagem é simplesmente maravilhosa, pontuada pelo contraste das cores fortes das casas de madeira com o branco da neve.
No regresso, passamos por autênticos postais típicos destas latitudes.
Aqui e ali passamos por fiordes em que o mar ainda está meio congelado. Em conversa com locais, dizem-nos que este ano notou-se que o mar não congelou tanto como em anos anteriores. É uma tendência que se sentirá e agravará cada vez mais, infelizmente.
Entretanto a meio caminho entre Sommaroy e Tromso, vemos uma clareira aninhada no vale das montanhas que nos circundam, perfeita para fazer uma guerra de bolas de neve, e com uma vista de encher o olho. Paramos e apesar do vento forte, ninguém o sente já que estamos ocupados a desviar-nos das boladas. A neve é tão fofa que em alguns sítios me afundo até ao joelho. Caímos e tropeçamos frequentemente e levamos com boladas, enquanto o eco das nossas gargalhadas ecoa pelo vale. Não há ninguém há vista.
Esporadicamente, reparo nuns círculos dentro de água, que não são mais que as quintas de cultura de salmão de mar e constitui uma das apostas de empresas da Noruega para produzir peixe em escala industrial para consumo humano (fazem-no também para outras espécies, penso eu).
A 10 minutos de Tromso, desata a chover desalmadamente e vejo de relance um restaurante “perdido” em frente a uma pequena baía. Os nossos estômagos já roncam de fome, pelo que o timing é perfeito. Ainda para mais é outro restaurante tailandês, que é SÓ uma das nossas gastronomias favoritas. Oh que pena.
Após uma deliciosa refeição (um pouco cara, como é costume por estes lados, mas boa) chegamos novamente a Tromso, e atravessamos a ponte para a outra margem, onde repousa a famosa Catedral do Ártico, como é conhecida a igreja do bairro de Tromsdalen em Tromso.
Construída em 1965, é uma das catedrais mais a norte do mundo e uma das mais originais certamente. Tenho que dizer que visualmente, é bastante mais atraente de fora do que por dentro, mas é ainda assim um ponto interessante a visitar, mesmo para pessoas não religiosas como eu.
Regressamos ao hotel, vou entregar o carro de aluguer, (já que nos próximos 2 dias não precisarei de carro) e aguardamos pelas 19:00, altura em que se iniciará o nosso muito esperado tour de auroras.
O operador do tour de hoje é a Tromso Safari, provavelmente a maior empresa de tours de Tromso. Após um pequeno (grande) susto com uma questão relacionada aparentemente com overbooking, mas que rapidamente foi resolvida, entramos na nossa carrinha, ligeiramente maior que a do Arctic Explorers e naturalmente leva mais pessoas. Somos uns 12, ainda assim um grupo pequeno. Este tour de hoje é ligeiramente diferente do anterior. Este chama-se Aurora Hunt Base Station. Essencialmente eles têm vários acampamentos em locais privilegiados distribuídos por várias zonas na periferia de Tromso. Antes de saírem de Tromso, verificam as previsões do costume (cobertura de nuvens e previsão solar) e escolhem o local onde em princípio as probabilidades serão maiores. No nosso caso, demorámos entre 30 e 45 minutos a chegar ao acampamento que eles escolheram para hoje. Está toda a gente muito excitada, principalmente porque o céu está praticamente limpo. A ansiedade cresce à medida que o céu escurece, mas de uma forma muito gradual e lenta. São quase 22:00 e ainda não está escuro. A noite é cada vez mais pequena nesta altura do ano, estamos mesmo no fim da época das auroras. Daqui a apenas um mês, o sol não mais descerá sobre o horizonte e permitirá a observação de outro fenómeno popular nesta região: o sol da meia noite.
Acabamos de sair da carrinha, estamos a pôr os tripés às costas para fazer o breve caminho para o acampamento e de repente ouvimos um burburinho e tudo a olhar para o céu. Só oiço repetidas vezes “Oh my god!” e “The lights!”.
E foi assim, que pela primeira vez, a tão desejada aurora boreal nos apareceu, ainda fraquinha, dançando graciosamente em várias linhas sinuosas paralelas, de forma lânguida e hipnotizante. Tão excitado que estava que as primeiras fotos nem têm a focagem correta.
Temos que ter a focagem da máquina em manual e infinity. Tem então início em mim um conflito interno que perdurará toda a noite, onde tento encontrar um balanço entre apreciar o fenómeno que desfila perante os meus olhos, e tentar registá-lo para a posteridade. A Mimi também tem a sua máquina já preparada e o seu tripé (Filha de peixe ...). Preparei-lhe a configuração da máquina anteriormente, para que ela também pudesse fotografar a aurora boreal. Quando lhe propus isto em Lisboa, ficou imediatamente excitada por também ter esta possibilidade, e foi sem dúvida um ponto importante para manter o interesse dela no decorrer do que iria ser uma longa noite.
 
Última edição:

calu

Membro Conhecido
Arrepios percorrem-me o pescoço e os braços. Não é ainda uma luz muito intensa, pelo que após o impacto inicial e umas breves fotos, percebemos que a intensidade está gradualmente a aumentar. O guia urge-nos para nos dirigirmos ao acampamento, com o intuito de assentarmos arraial num local de forma mais definitiva e apreciar.
Cinco minutos depois, todos os tripés estão montados e estamos num bosque lindíssimo, completamente gelado, rodeado por um anel de árvores nuas por todo o lado, a uma distância suficiente para termos um campo de visão brutal. A chaleira está ao lume de uma potente fogueira que aconchega o yurt quedomina o acampamento.
Num livro fantástico que li há poucas semanas (“Guia de um astronauta para viver na terra”, de autoria do astronauta Chris Hadfield), há um momento em que ele tenta pôr em palavras o que sentiu no momento em que saiu pela primeira vez da Estação Espacial Internacional diretamente para o espaço, para fazer uma intervenção no exterior da EEI, e se depara com o universo todo à sua frente. Ele escreve:
"É visualmente avassalador e não temos outros sentidos que nos avisem de que vamos ser atingidos por uma beleza em estado bruto." Nunca terei oportunidade de ver o que ele presenciou, mas agora tenho uma pequena ideia do que ele quis dizer com aquelas palavras.
Isto porque passados uns minutos, o céu explodiu por cima das nossas cabeças e a minha vida mudou para sempre.
Ao olhar para cima, o céu está inundado por um tsunami de luzes verdes dançantes que criam os padrões mais incríveis. Ora parecem ondas dançantes num oceano de escuridão, ora teclas de um piano tocado pelos deuses, ora um labaredas de um incêndio de luz esmeralda. Estou siderado.
Inesperadamente, sinto os meus olhos começarem a picar, e rapidamente ficam marejados de lágrimas, até que as mesmas não resistem à pressão e escorrem-me rosto abaixo, para minha surpresa. Mas não paro de olhar para cima. O meu corpo estremece com os arrepios que o percorrem, mas o meu coração é um vulcão em erupção. Se eu fosse uma lâmpada, estoirava com o quadro elétrico e provocava um apagão a nível nacional.
Olho para a minha mulher, ela olha para mim e reconhecemos, com um sorriso e em silêncio, a falha mútua em conter as lágrimas. Abraçamo-nos sem deixarmos de olhar para cima. Lembro-me perfeitamente de algumas expressões que gradualmente comecei a proferir, ao voltar a mim: “Como é possível?!” ou “Estás bem a ver isto?!”
Entretanto a Mimi está aos pulos, abraça-me e dirige-se a mim com aquela voz embargada que reconhecemos aos nossos filhos quando eles estão doidos de felicidade. Durante um largo período que não consigo precisar, não fotografo sequer.
O tempo parou, os planetas estão alinhados e o mundo está perfeito.
Algo dentro de mim lembra-me que está na altura de tentar registar algo para a posteridade, pelo que começo a intervalar algumas fotos com uma continua observação do céu. Está sempre a mudar. Cada 10 segundos, tudo é diferente, as possibilidades são ilimitadas. E cada aurora é irrepetível, é como uma impressão digital revelada a cada segundo. A parte mais espetacular não ficará registada em foto, e eu não me importo. Ficará para sempre gravada na minha memória e é assim que deve ser. É curioso que vi tantas fotos e vídeos antes de ver o fenómeno ao vivo, que sempre tive algum receio que não me impressionar quando o visse ao vivo, tão familiar que já me era pelas fotos. Não podia estar mais errado. Entretanto, mando uma mensagem ao meu irmão, que à distância partilhava a minha apreensão dos dias anteriores, com a conhecida expressão basquetebolística “Slam dunk!” :)
Ver cores diferentes de verde a olho nu não acontece todos os dias mas nessa noite, os próprios guias disseram que foi uma das melhores desse mês. Como se pode ver nas fotos, essa noite foi intensa o suficiente para tornar visível a olho nu inúmeros tons de violeta também.
As fotos que aqui vêm são todas minhas com a exceção das 4 seguintes e que não estão assinaladas com o meu nome. Essas foram tiradas na mesma noite, no mesmo local pelo nosso guia. Nota-se que ele já leva muito mais prática do que eu nestas andanças.
Eu a preparar a próxima foto (à direita em baixo)

Vista de um pequeno bosque interior ao acampamento

Nova vista da parque interior do bosque

O acampamento debaixo das luzes

The Green Lady” (como é carinhosamente referida por estes lados) dançou para nós a noite toda, umas vezes mais forte, outras menos. Deu tempo para tudo. Tirámos as fotos em família com as auroras por trás (cuja iluminação correta não é fácil de atingir), bebemos o chocolate quente já sem preocupação de tirar fotografias, a Mimi tirou as suas fotografias também (e ficaram boas), enfim. Mas a “dançarina verde do norte” (tradução livre por mim inventada) acompanhou-nos quase até chegarmos ao hotel em Tromso. De cabeça encostada ao vidro da carrinha quando regressávamos, a minha mulher ia-me fazendo sinal dizendo “Ainda está forte”.
Objetivo cumprido. Mais do que riscar um objetivo da minha lista de viajante, foi uma experiência simplesmente inacreditável e que me tocou como nenhuma outra até hoje. Nunca pensei emocionar-me ao ponto de verter lágrimas simplesmente por olhar para o céu. Mas aconteceu e adorava conseguir repetir.
Chegados ao conforto do quarto, por volta das 01:30. Adormecemos de imediato. Dificilmente voltarei a adormecer algum dia da minha vida com um sorriso tão satisfeito como essa noite.

Velocidade Furiosa
Dia 5 (29/03)​

Ás 08:30 já estamos a tomar o pequeno almoço porque daqui a meia hora, vamos para camp Tamok para fazermos um passeio em motas de neve num dos fiordes gelados que há em redor de Tromso, mais propriamente na zona dos chamados alpes de Lyngen. Estamos um pouco estremunhados mas ninguém se queixa do sono. A Mimi prova uma vez mais ser uma viajante de primeira. As nossas conversas são dominadas pelo que se passou ontem à noite.
Camp Tamok está a cerca de 1h e meia de Tromso (para sul), próximo de um dos locais onde procurámos auroras no primeiro dia (Skibotn). É nesta zona que estão as montanhas mais altas de toda esta área, chegando perto dos 2.000 metros.
Nenhum de nós andou previamente em motas de neve. Os guias começam pelas várias e reiteradas explicações de segurança, criando uma expetativa também do tipo de terreno que vamos encontrar e como reagir às alterações no terreno (subidas longas, descidas rápidas, curvas em descida, etc.). As dicas que nos dão sobre como conduzir as motas são bastante claras e objetivas.
O trilho tem 30 km no total e o nosso tour terá uma duração total de 2h e 30m, sensivelmente. Iremos ainda subir de 250m acima do nível do mar (onde começamos) até 875m acima do nível do mar.
Uma vez que estaremos mesmo no meio da montanha, entre vales e picos gelados, as minhas mulheres decidem usar os fatos isolantes que estão incluídos no preço do tour. No meu caso, os guias referem que a roupa é adequada, algo que agradeço, já que assim torna-se mais fácil fixar a GoPro ao arnês de peito que tenho comigo para o efeito.
O tempo colabora uma vez mais connosco e o sol espreita por entre as nuvens. Ao iniciar o tour, notamos que as motas são bastante potentes (se lhe dermos um cheirinho a mais de pulso) mas rapidamente percebemos qual a melhor velocidade para cada tipo de terreno. A paisagem é gloriosa.
Estamos num grande vale entre os “alpes” Lyngen. A neve cobre os picos gelados e os trilhos por onde passamos. Quando paramos aqui e ali para tirar fotos ou atirar umas bolas de neve, a neve é tão fofa que frequentemente nos afundamos até ao joelho. Parados, o silêncio no meio da montanha é ensurdecedor. Conseguiria ouvir alguém a jogar dominó a 2 km de distância, se isso fizesse algum sentido.
O local de meia volta deste trilho é um lago gelado que repousa num tranquilo abraço de uma grande montanha. Parece-me quase criminoso conspurcar um sítio tão pacífico e maravilhoso com estas bestas fumegantes (as motas) e ruidosas (sim, as motas). Chegados ao lado gelado que coloca 2 metros de espessura entre nós e a água gélida por baixo dos nossos pés, o guia diz-nos que agora podemos “ripar” um bocado.
Tal é a dimensão do lago que aqui podemos dar umas voltas a acelerar mesmo a sério. Party time! Muito divertido mesmo. Uma pequena nota de caução: não há retrovisores, portanto convém terem sempre presente onde está o acelera mais próximo antes de decidir fazer uma curva apertada ou travagem brusca.
Emplastro
A viagem de regresso foi igualmente agradável. Chegados ao acampamento, voltamos a entrar numa tenda quentinha (novamente um yurt) onde comemos novamente uma bela sopa, bolo norueguês e café.
Por volta das 14 estamos de volta ao nosso hotel, muito satisfeitos com uma manhã extremamente divertida. A minha mulher estava particularmente satisfeita por não se ter espalhado com a mota de neve.
Aproveitamos para ir fazer uma primeira ronda de compras de souvenirs numa lindíssima loja tradicional que vimos no centro de Tromso e descansamos um pouquinho.
Sim, porque daí a um par de horas temos novo tour das auroras (o tal que teve que ser reagendado no segundo dia com a Arctic Explorers).
Eu falei a sério quando disse que vinha preparado para o pior cenário e ter que tentar várias vezes, até ao último dia se necessário fosse. Tem que ser assim, se quisermos maximizar as nossas chances. Uma pessoa até pode ter sorte de ver uma aurora espetacular no único dia que passe em Tromso, mas é preciso muita sorte. O mínimo que sempre vi recomendado para ter boas chances são 5 noites. No nosso caso, tínhamos um pouco mais. Á hora marcada, saímos do hotel e vemos a carrinha em frente ao nosso hotel, com a guia já à nossa espera. Novamente uma miúda nova, a rondar os seus 20 e poucos anos. Ela pergunta-nos o nome e após a nossa resposta, ouvimos um familiar “A sério?!?!”
Ora bem, o que aconteceu foi que os yings e yangs do universo alinharam-se de maneira a que os únicos portugueses (digo eu) que andavam por aquelas bandas se encontrassem como guia e clientes de um tour de uma pequena empresa turística.
A surpresa da Mónica (a guia) é ainda maior que a nossa. Confessa-nos que somos os seus primeiros clientes portugueses, algo que é significativo, uma vez que ela é guia em Tromso há dois anos. A Mimi fica excitadíssima, já que assim perceberá tudo o que a guia diz, ao contrário do habitual. Arranjou uma nova BFF, quer a Mónica queira ou não :D Os outros companheiros de viagem são duas miúdas americanas que desde cedo denotam pensar que são o centro do mundo (whatever) e um velhote espanhol chamado António, que apresenta uns vigorosos 70 e poucos anos, mas uma atitude perante a vida e simpatia de fazer inveja a muita gente. Cria-se de imediato uma certa empatia com o António. Tenho a sensação que os viajantes se reconhecem uns aos outros através de poucas observações , da mesma maneira que por vezes reconhecemos certo tipo de turistas dos quais queremos distância. Infelizmente temos dos dois tipos neste pequeno grupo. Mas estamos muito felizes com a Mónica e o António e lá vamos nós para mais uma noite de caça às auroras boreais. Já não sentimos tanta pressão como ontem, uma vez que o principal objetivo foi atingido, mas continuamos a querer repetir a experiência e/ou a melhorá-la.
Depois da já conhecida rotina de ir ao armazém deles, vestir os fatos, enfiar as botifarras e arrancar para fora de Tromso, dirigimo-nos para um local pelo qual passámos durante o nosso passeio a Sommaroy.
A Mónica diz que a previsão parece ser boa próximo da costa, pelo que vamos já diretamente para um dos seus locais favoritos nessa zona, em Grotfjord, bem longe da poluição luminosa da pequena cidade de Tromso. Entretanto, ainda antes do anoitecer, fazemos uma breve paragem num view point em Ersfjordbotn, para admirar um pequeno mas bonito fiorde.
Chegados a Grotfjord, pomos na cabeça as lanternas frontais que a Mónica nos emprestou e ajudamos a transportar o material do costume (lenha, caixas com bebidas, alguma comida, etc) para uma pequena praia aninhada no fiorde. Vejo uma casa a 200 metros do outro lado da estrada e nada mais.
Está escuro como breu, já que não há iluminação pública. Na estrada solitária que nos trouxe até aqui, passa um veículo apenas a cada 5 minutos, outras vezes mais. Uma conversa em tom mais alto provoca um eco que se ouve em toda a baía. Tenho que concordar com a Mónica, é um sítio especial e muito tranquilo.
Vou falando com o António (trato-o por tu, tal como ambos preferimos) enquanto aguardamos que fique mais escuro e que a Green Lady se mostre. Trocamos histórias de viagens a sítios remotos, mas rapidamente percebo que tenho que comer muita papinha para lhe chegar aos calcanhares: já viajou por todo o mundo e mais algum, chegando mesmo a procurar a aurora austral na Antártica, algo que infelizmente não conseguiu. Nota-se que está um pouco ansioso por conseguir ver aqui, no topo do mundo, a aurora boreal. Pergunto-lhe porque não anda com máquina fotográfica. Diz-me que o sítio onde lhe importa guardar imagens é na sua memória. Trocamos um sorriso cúmplice de compreensão mútua. Ainda que eu seja um fã de fotografia e não consiga viver sem fotografar, a noite de ontem mostrou-me como inúmeras vezes optei por deixar a fotografia de parte, em detrimento de apreciar a beleza do que se deparava perante os meus olhos.
O céu tem muitas nuvens em algumas zonas, não tanto noutras. Vamos perscrutando o céu em busca de ligeiros tons de verde, sinal que a aurora pode estar a aparecer nesse local.
Vamos assando uns marshmallows na fogueira (algo que pensei não gostar, mas estes até eram bons) e bebendo um chocolate quente enquanto conversamos, à espera que as nuvens nos deem uma oportunidade.
A Mónica conta-nos entretanto uma história interessante sobre os habitantes da pequena baía de Grotfjord: esta zona é algo popular entre os caçadores de auroras. A cerca de 2 kms de onde estamos, há uma outra baía que contém umas 10 casas, rodeadas por bonitas árvores e protegidas por uma pequena serra.
Durante muito tempo, parece que os turistas caçadores de auroras, durante as suas longas esperas ao relento, ganharam o péssimo hábito de fazerem ambos os tipos de necessidades perto das casas, nas árvores que rodeiam as mesmas. Isto tornou-se um problema tal que os locais se uniram, fizeram uma vaquinha, e puseram uma casa de banho pública na baía, que funciona com uma moeda. Se não os podes vencer, dá-lhes algo que eles querem e fá-los pagar por isso. Parece que resolveu o problema. :D
Entretanto, aqui e ali, começamos a ver tons de verde a polvilharem o céu. A excitação aumenta e os tripés estão a postos. E eis que por volta das 21:00 temos as primeiras aparições, entre duas pequenas montanhas por trás da praia. As previsões solares para hoje são mais fraquitas que ontem mas mesmo assim temos espetáculo.
Durante as duas horas seguintes, somos premiados por inúmeras variantes da aurora. Embora algumas sejam fortes e espetaculares por si só, hoje as danças são menos exuberantes que ontem.
No entanto se fosse a primeira vez que eu visse, imagino que ficaria tão impressionado como no dia anterior. Com o avançar da noite, alguns padrões totalmente diferentes dos que vimos ontem impressionam-nos a todos: umas vezes parece um gancho desenhado no céu, outras vezes, um funil, outras um lençol verde que cobre o céu inteiro.
A dada altura, uma forma especial forma-se no céu e decido deitar-me na areia de barriga para cima, juntamente com a minha mulher, em cima de uns rolos de borracha que a Mónica trouxe. Diretamente por cima das nossas cabeças, desenhou-se uma perfeita coroa de jade que se bamboleia ao ritmo de uma melodia que só ela conhece. Mantém-se assim alguns minutos, até que a música muda e as formas também, transformando-se num noutro qualquer produto da nossa imaginação. Ficou apenas registado nas nossas memórias, já que este era o caso típico de que 2 é bom, 3 é demais :D (a máquina estaria a mais).
 
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Membro Conhecido
A Mimi anda entretida com a Mónica. Hoje à noite, quase que parece que não temos filha. Sabe-lhe bem falar com outras pessoas na nossa língua, como é natural. Procuro o António na penumbra, já que estou curioso em saber a sua reação. Sentindo aproximar-me, ele murmura sem tirar os olhos do céu: “Precioso. Que precioso. Mágico.” (em espanhol). Por volta da 01:00, satisfeitos com a excelente performance da green lady, concordamos todos em regressar ao conforto dos nossos hotéis.
Regressados a Tromso, e antes de sairmos da carrinha, troco um forte abraço com o António. Devolvendo-lhe um olhar intenso, amistoso e sincero digo-lhe “Foi um enorme prazer conhecer-te António, obrigado pela companhia”. Já depois de sair, oiço-o chamar-me, aperta-me novamente a mão e, olhando-me novamente com uma intensidade quase desarmante pergunta-me: “Viajas sempre com a pequena para sítios como este?” Digo-lhe simplesmente “Claro que sim, é a minha filha. Viajar é educar“. O rosto dele ilumina-se num sorriso que nunca mais esquecerei e despede-se dizendo “Precioso, que bueno... que bueno! Felicidades!”
Enquanto me encaminho para o quarto sorrio, feliz por saber que o António conseguiu finalmente ver a sua desejada aurora, mas aos mesmo tempo fico triste por saber que provavelmente não o voltaremos a ver. Já no quarto, chamo-me estupido várias vezes, enquanto me arrependo de não lhe ter perguntado se ficaria mais dias em Tromso, já que nós ainda temos mais dois dias e ele viajava sozinho.

Encontros Imediatos ao Terceiro Espalho
Dia 6 (30/03)

E ao sexto dia, finalmente temos tempo para dormir. Aquele de preguiçar, virar para o outro lado e dormir mais um pouco. Poder dizer ao despertador: “sabes uma coisa, hoje vai-te lixar!”. Bom, mais ou menos isso, já não se pode falhar o pequeno almoço incluído. Portanto a uns meros 20 minutos de terminar o horário para pequeno almoço, lá descemos nós para o fino repasto. De seguida, fui levantar novo carro de aluguer, neste caso à Avis no centro de Tromso, a uns meros 10 minutos a pé do nosso hotel.
Hoje vamos dar novo passeio, mas agora para Sul, fazendo uma boa parte da “Northern Lights Route” que inclui uma grande parte da estrada E8 que vai desde Tromso até Kemi na Finlândia, onde está o famoso Ice Breaker. No nosso caso, iremos mais ou menos até à zona de Nordsfjordbotn.
Depois regressaremos a meio da tarde, já que ao fim da mesma temos uma atividade de cross country skiing, snowshoeing, tobogganing num parque em Tromso.
Já agora, esta route nasceu quando os governos da Noruega, Suécia e Finlândia se juntaram para criar esta designação, reconhecendo que este é um dos melhores lugares do mundo para ver as northern lights. Isto não apenas pela frequência com que as mesmas se podem ver por estes lados, mas também pelo caráter selvagem, remoto e não comercial de toda a paisagem circundante, o que incrementa a intensidade do fenómeno, devido à quase ausência total de poluição de luz. Mais informação sobre a Northern Lights Route aqui .
A principal razão de escolhermos este trajeto diurno nada tem obviamente a ver com as auroras, mas sim porque o trajeto atravessa várias paisagens espetaculares que já nos tinha feito babar previamente, quando por aí passámos a caminho de Camp Tamok.
E de facto a viagem teve paragens gloriosas em paisagens incríveis. Para esse efeito, deixarei as fotos falarem por si.
O São Pedro voltou a colaborar connosco, presenteando-nos com uma dia lindo.
A certa altura, encontrámos um novo sítio que nos pareceu estar mesmo a pedir um boneco de neve e parámos.
Uma lindíssima clareira descansando entre um vale montanhosa, pejada de neve fofa que nos afundava por vezes até à cintura (algo perigosa a espaços) mas que até contava com uma pequena e bela cascata “privativa”, como pano de fundo.
Iniciámos de forma afincada a construção daquilo que nos propúnhamos ser a nossa obra prima (no eclético universo dos bonecos de neve), afinal já tínhamos alguma prática. Desta vez, até viemos prevenidos com uma cenoura.
Algo que tenho a dizer sobre bonecos de neve: construir um corpo que se veja dá muito mais trabalho que se pensa. Passados uns largos 20/30 minutos finalmente tínhamos um corpo e cabeça com os quais estávamos satisfeitos. Numa árvore próxima, encontrei caruma que resultou num cabelo simplesmente excecional, que faria inveja ao próprio Donald Trump. Os ramos resultaram de uns pequenos ramos. Faltava agora os botões. Após nova busca nas árvores próximas e mais uns intensos afundamentos na neve que provocaram animadas gargalhadas no concelho familiar, eu regresso triunfante clamando “encontrei umas bolotas que vão fazer uns excelentes botões”. Sem tirar as luvas, fazemos os buracos no boneco para enfiar as bolotas.
É então que a Mimi, que estava há largos segundos a olhar desconfiada para os botões, profere as imortais palavras:
  • “Ó pai, isso não são bolotas. Isso é cocó de rena!”
Após inspeção mais minuciosa, e desejando com todos os ossinhos do meu corpo que tal não fosse verdade, verifico que a catraia tem razão e rebento numa sonora gargalhada, que rapidamente se estende ao resto da família.
Valeram-me as luvas, a secura do material, e a textura deveras enganadora (semi coberto do neve). Mas que fazem uns lindos botões ecológicos e biodegradáveis, lá isso fazem.
Comemos qualquer coisa na zona de Nordsfjordbotn, após o que iniciámos o regresso a Tromso. De uma maneira geral, e devido aos elevados preços, várias vezes optámos por refeições mais rápidas tipo sandes/cachorro/fruta (principalmente ao almoço) e também mais em conta.
Mais uma vez, fizemos várias paragens inesperadas, já que a paisagem simplesmente implorava por muito merecida admiração.
Às 18:30 somos apanhados no hotel em Tromso pelo guia do tour de cross country skiing, snowshoeing, tobogganing que eu marquei previamente através da (excelente) app/site Viator. Funcionou bastante bem. O guia é um puto (literalmente) com uns 20 anitos, todo outdoor e fisionomia comum nos noruegueses: olhos claros, fisionomia de desportista, aspeto descontraído, muito simpático, vive num barco, gosta de fazer caminhadas extremas (diz-me que quer atravessar o Algarve a pé, quando lhe digo que somos portugueses), entre outras atividades. É o que normalmente se chama: um bacano. Após 10 minutos de carrinha, chegamos à zona alta de Tromso, de onde se tem uma vista espetacular sobre a cidade (se é que assim se pode chamar).
Estamos no parque público de Charlottenlund, que ainda não conhecíamos. É um parque muito agradável, enorme, com grandes colinas e declives, tudo branquinho e cheio de neve e inclui ainda dois grandes circuitos de cross country. Pelo que me diz o guia, o parque é muito popular com os locais e é fácil de ver porquê. Aqui eles e elas (de todas as idades) juntam-se para deslizar na neve, fazer cross country, brincar nos inúmeros equipamentos ou simplesmente apreciar a paisagem. Como está praticamente na hora de jantar de muita gente (aqui muitos jantam às 18:30/19:00), o parque tem muito pouca gente, o que até é bom para não verem a figura linda que estamos prestes a fazer.
Começamos com o cross country, logo para aquecer o rabo à malta. Colocamos as botas (bem mais maleáveis que as de ski tipo downhill) e os skis que também são menos pesados e mais fininhos. Pegamos nos batons e olhamos para o guia em busca de instruções. Somos absolutos principiantes nisto, já o dissemos ao guia, mas o seu estilo relaxado denota que ele é um crente na abordagem “auto ensino” e “aprender sentindo”. De facto, eu acabei por aprender sentindo, lá isso é verdade.
Enquanto luto contra a vontade que os meus pés vão denotando de irem em frente deixando o meu corpo para trás, os batons mantêm-me reto que nem um carapau.
Ele diz “movimentos suaves, joelhos ligeiramente fletidos, in pé a seguir ao outro, sem grandes movimentos laterais, ok?”. Antes de sequer processar o que ele disse e antes que pudéssemos perguntar algo, ele desaparece rapidamente pelo trilho dizendo-nos “C’mon, let’s go!”.
Estamos os três em pé, com os skis, com os batons mantendo-nos precariamente em pé. Olhamos uns para os outros com um misto de pânico, excitação, curiosidade e ansiedade. Mas essencialmente pânico. Penso em almofadas e colchões. Mais almofadas. Não me importaria de ter uma amarrada ao meu rabo neste preciso momento.
A Mimi tem excelente equilíbrio, e muito menos receio que nós, adultos cagarolas, pelo que ela dá a partida e embora meio atabalhoada, lá vai andando aos poucos, seguindo os sulcos deixados pelo guia.
A foto com estilo até parece indiciar que percebemos alguma coisa disto. Nada poderia estar mais longe da verdade.

Eu, confiante na minha habitual destreza para a vasta maioria dos desportos, abandono a minha posição de estabilidade vertical e dou um pequeno impulso com os batons. A senhora Calu, adota a técnica robocop e inicia algum movimento, embora praticamente não saia do mesmo sítio.
É então que subitamente, as minhas pernas optam por seguir em frente, enquanto que o resto do corpo decide que era mais seguro ficar no mesmo sítio. Dessa diferença de opinião resulta uma ausência de sustentação, o que leva o resto do corpo a obedecer à lei universal da gravidade e descer à terra com um estrondo que nem a neve supostamente fofa é capaz de abafar.
Gargalhadas ecoam pelo parque, ampliadas pelo silêncio ausente das outras pessoas. Não sei se me dói mais o ego ou o rabo. Levantando-me com dificuldade (não é fácil levantarmo-nos com skis nos pés), preparo-me para nova tentativa. Ok, já sei o que fiz mal da primeira vez, inclino-me um pouco mais para a frente e dou um impulso mais suave. Vamos lá.
Desta vez, o corpo vai de facto para a frente, mas as pernas decidiram que da primeira vez foram depressa demais, então optam por ficar para trás. No entanto, ao sentirem o corpo a ir para a frente, as pernas tentam compensar o seu atraso e rapidamente aceleram para chegar ao sítio onde devem estar. Nessa ânsia desenfreada, passam a voar pelo corpo, que entretanto volta a ser atraído pela gravidade e desaba no exato local que já estava acamado (e mais rijo) pela primeira queda.
O meu riso agora já é mais um esgar de dor que um sorriso ou gargalhada, como na primeira queda.
Levanto-me um pouco melhor desta vez (de lado, como o guia me diz entretanto) e deslizo ligeiramente com as pernas fletidas. Assim que ganho um metro de confiança e dou um ligeiro impulso com os batons, o universo obedece à regra do “não há duas sem três” e atira-me ao chão. Isto tem que ser algum record.
A senhora Calu vem lá mais atrás, segura, não formosa. Mas ao menos não tem o rabo a arder, nem o ego destruido, como eu. A Mimi já segue lá adiante, confiante e com algum estilo, ganhando confiança. No meu caso, a confiança vai-se ganhando através de uma relação de
BFF com o chão. Deve-se começar por baixo, certo? É o que estou a fazer.
Meus amigos, juro por tudo o que há de mais sagrado que o que acima descrevi corresponde à mais pura das verdades. Não se trata de conteúdo inventado para melhorar a história. Infelizmente para certas partes do meu corpo e também para o meu ego, as três quedas sucessivas deram-se exatamente como descrevo, provavelmente de forma ainda mais rápida, aparatosa e embaraçosa.

Finalmente, depois dessa terceira e gloriosa queda, começo a perceber onde está o meu centro de gravidade e atinjo uma pequena noção do balanço correto entre a força a fazer nos batons, a posição das pernas, do corpo e abandono alguma rigidez inicial. Consigo avançar e perceber também o ritmo correto com que os braços devem acompanhar as passadas. Entramos num dos trilhos da pista e agora já dá para nos divertirmos.
Passam por nós vários locais “a abrir”, numa bisga tremenda, parecendo profissionais numa prova do Eurosport, fazendo as subidas em grande estilo. Várias destas pessoas mostraram-se muito pouco tolerantes com principiantes como nós, chegando mesmo a ser surpreendentemente rudes para connosco, até com crianças como a Mimi. Levam isto mesmo a sério. Ou simplesmente têm mau feitio, estes. Desejo secretamente que tenham uma diarreia logo à noite, antes de retomar a atividade. Todos os outros noruegueses que encontrei e com quem falei até agora têm sido extremamente afáveis e simpáticos.
Durante os 45 minutos seguintes, caí apenas mais uma vez mas consegui dar uma volta à parte pequena da pista, enquanto que a Mimi deu 3 ou 4 voltas. A minha mulher fez meia volta e caiu apenas 1 vez. Bastante bom, tendo em conta que a nossa iniciação ou dicas para começar foram praticamente nulas. Quando é chegado o momento de irmos para a próxima atividade, a Mimi diz-me, algo triste: “Jáááá?”
A próxima atividade é simplesmente deslizar por uma grande inclinação de neve com um tabogã, prancha ou qualquer outra coisa que deslize. O guia entretanto faz um salto com uma rotação de 180º na descida, mas usando os skis de cross country. Ele tem skis nos pés desde os dois anos, tal como a maioria dos noruegueses. Parecem uma extensão do seu corpo.
Vamos então para o topo da colina, pegamos cada um na sua prancha, deitamo-nos na mesma e lá vamos nós de cabeça por ali abaixo. Swoooshhh. Muito divertido. Ficamos logo a pensar que temos que voltar no dia seguinte.
Depois de muitas descidas e vários wipeouts, terminamos com snowshoeing. No fundo, é trekking em neve profunda com umas pequenas raquetes todas high tech nos pés. Há várias zonas de neve profunda no parque, pelo que desatamos a caminhar por ali fora com os snow shoes e é bem giro. Não me surpreende ver a minha mulher toda contente à frente do grupo com uma forte cadência na sua marcha, já que este é de longe a atividade com menos risco, logo a sua confiança sobe em flecha.
A barriga começa a dar horas quando chega o momento de irmos embora. Jantamos num restaurante perto do hotel e preparamo-nos para a nossa primeira caça às auroras por conta própria.
A previsão solar é fraquita para esta noite, mas estando num local onde sabemos que a probabilidade é regra geral elevada, a vontade de ir à procura excede a vontade de descansar. Como diz uma música dos Bon Jovi “I’ll Sleep When I’m Dead”.
Verifico as mesmas apps que o pessoal dos tours utiliza e em função disso, escolho a zona que parece melhor para essa noite. Primeiro, vamos até uma pequena enseada que tem uma excelente vista quase a 360º, próximo do aeroporto. Apesar de haverem algumas abertas, parece não haver atividade, pelo menos até às 22:00. A essa hora, e enquanto a Mimi já descansa no banco de trás, decidimos fazer uma parte da Northern Lights Route até um viewpoint a sul que vimos durante o dia. A previsão diz que nessa zona, haverá menos nuvens antes da meia noite.
Passados 40 minutos, estamos lá, e juntamo-nos a duas outras duas viaturas que já lá estão paradas com o mesmo objetivo. As nuvens fecharam-se mais e há pouco céu à vista. A previsão hoje falhou um pouco. Também, sabemos que as previsões de tempo já são difíceis, quanto mais de cobertura de nuvens. É expectável e aceitável que de vez em quando falhem. Por volta da meia noite, desistimos e regressamos ao hotel. Estamos com aquela sensação de “só mais uma vez”, sabem? Para a despedida. E era muito giro conseguirmos ver por nossa própria conta, como se fosse uma validação dos conhecimentos entretanto adquiridos.
Mas ainda temos mais um dia, só entrego o carro amanhã à noite. Amanhã fazemos uma última tentativa para a despedida.

O Tuga Deve Estar Louco
Dia 7 (31/03)

Voltamos a descansar o máximo que o horário do pequeno almoço permite. Com as baterias recarregadas, e uma vez que hoje está a nevar ligeiramente (wohoo!) aproveitamos para fazer as ultimas comprinhas nas calmas. De seguida, vamos ao Polar Museum, que é apenas a uns 300 metros do nosso hotel.

Historicamente, Tromso tem sido o centro da prática de caça a focas no norte da Noruega e a cidade foi estabelecida como sendo “A porta para o Ártico” nos finais do séc. XIX. Tromso tem sido igualmente uma base importante para expedições polares, e as exposições patentes no museu polar prestam homenagem a ambas as atividades.
Independentemente do que possamos pensar da caça às focas (necessária em certas regiões onde a comida escasseia), o museu em si é bastante interessante, contendo os mais variados artefactos e histórias relacionadas com as explorações polares ou o modo de vida nas regiões geladas ainda mais a norte como Svaalbard.
É uma excelente opção para passar um par de horas de uma forma enriquecedora e quentinha, quando o tempo lá fora não convida a passeios.
Almoçamos num ótimo restaurante próximo (Egon restaurante) com preços bastante razoáveis para a boa qualidade da comida. O tempo entretanto abriu e convida a brincadeira, pelo que após o almoço, pegamos no carro e regressamos ao parque público de Charlottenlund a 5 minutos dali.
Não temos pranchas para deslizar, mas como um bom tuga que se desenrasca, rapidamente encontro uma velha prancha que alguém deixou numas casotas onde se fazem as fogueiras. Falta-lhe a corda para nos agarrarmos melhor. Tiro a alça da bolsa da máquina fotográfica e rapidamente resolvo o problema. Entretanto, arranjamos outra prancha que uma senhora simpaticamente nos empresta e passamos a próxima hora a deslizar encosta abaixo. Podia fazer isto o dia todo :)
Depois de algumas horas de palhaçada, jantamos perto do hotel e pegamos no carro para a última noite, na esperança de que a Green Lady dance para nós, uma última vez. As previsões solares são suficientes para que haja atividade visível (o que acontece na vasta maioria dos dias nesta latitude) e parece que próximo da costa haverão poucas nuvens. Gostei tanto da zona de Grotfjord na ilha de Kvaloya (onde estivemos com o António a ver as Auroras) e é perto de Tromso, pelo que nos decidimos por esse local.
Conduzir até lá revela-se um verdadeiro desafio, algo que não me tinha apercebido no outro dia, já que quem conduziu foi a Mónica e eu ia só na conversa. À hora que vamos, já vai estando escuro como breu. A juntar a isso, não existe qualquer iluminação pública nas sinuosas estradas de montanha que fazem parte do final do trajeto que nos leva à dita enseada. Ademais, estão 0 graus e como houve precipitação em forma de neve e também um misto de chuva/neve, uma parte já gelou na estrada e tornou-a extremamente perigosa. Em alguns locais, nota-se que já passaram algum sal na estrada de forma preventiva, mas muitas curvas não o têm. Algumas curvas são feitas a 20 ou 30 kms por hora e mesmo assim, não sinto o carro seguro (e não é um carro pequeno).
Dou-me por muito satisfeito pela decisão de ter sempre pedido carros com pneus de neve (com os tais “picos”), caso contrário esta condução seria quase insana, mesmo em velocidade muito reduzida.
Finalmente, após mais de 1h de condução muito cuidadosa e mais de meia hora sem passar por viatura alguma, chegamos à baía e está ainda mais escuro que no outro dia quando cá estivemos. Não há vivalma por quilómetros em redor, nem mesmo na estrada que contorna a baía. Em mais de metade do céu vêem-se centenas de estrelas cintilantes, pelo que as condições são promissoras.
Estaciono o carro o mais próximo possível da enseada, para podermos usar o carro para combater o frio, até porque a Mimi dorme pacatamente no carro, embalada pelas curvas. A senhora Calu, ansiosa pelas auroras, mas friorenta de nascença, opta pelo quentinho do carro enquanto sonha com uma lareira e um edredon, ou aguarda por sinais positivos da minha prospeção celestial.

Monto o tripé, preparo a máquina com os parâmetros adequados (de acordo com a minha investigação e dicas dos guias) a fotografar as auroras e começo a espera. Não vejo mais de 10 metros à minha frente, tal é a penumbra. Não consigo sequer distinguir a água na baía à frente do carro. Não há vento. É assustador e fascinante ao mesmo tempo. De vez em quando, oiço pequenos barulhos nos arbustos a uns metros de mim. As primeiras vezes ainda aponto com a lanterna do telemóvel, algo agitado. Com o passar dos minutos, habituo-me aos sons e sensações do que me rodeia e dou por mim fascinado. Nunca estive num sítio tão silencioso, tão escuro e com a sensação de estar tão sozinho, apesar de ter a minha mulher e filha no carro a poucos metros de mim. É fantástico.
Passados uns longos 30 minutos (que mais parecem o dobro), a senhora de verde continua a iludir as nossas pretensões e noto algum desânimo na expressão da minha mulher dentro do carro, meio a dormitar. Estão 2 graus, de acordo com o termómetro do carro, mas até nem se sente frio. Mas eu próprio começo a ter dúvidas se vamos conseguir ver algo, ou se teremos uma repetição da noite anterior.
 
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calu

Membro Conhecido
É então que, como se os deuses tivessem decidido que eu já tinha sofrido o suficiente nesse dia e que a nossa epopeia merecia um final feliz, o céu começa a ser banhado por sucessivas ondas verdes que quebram no mar de jade à nossa frente, acompanhadas ainda por tons de seda púrpura. Com essa surpresa já algo inesperada, abre-se uma nova porta para a minha alma. Antes de conseguir dizer qualquer coisa, começo a ver tudo desfocado porque as lágrimas voltam a cercar os meus olhos. Começo a gesticular feito parvo para o carro, mas os vidros estão embaciados da respiração delas e apercebo-me que a minha mulher ainda não viu os meus gestos. Além disso, continua escuro e ainda assim, a aurora não consegue iluminar a minha fronha de tótó.
Inadvertidamente, sai-me um espontâneo e bastante sonoro “Wouuuuuuu!!!” que ecoa pela baía durante largos segundos.
Saindo do carro com ao meu “sinal” espontâneo, a minha mulher diz-me “Shhhhhiu! Acordaste a miúda!” . “Boa!”, replico. “Está mesmo na hora de acordar, olha-me bem para isto!”
Por cima das nossas cabeças, enquadrada pelas bonitas cordilheiras que rodeiam a baía, a aurora boreal mostra-se-nos uma última vez, fazendo a sua dança de despedida.
Durante um largo período que não sei precisar mantemo-nos a olhar para o céu a apreciar os últimos pozinhos de uma experiência inesquecível.
O feitiço é quebrado entretanto por uma vozinha doce e ensonada: “Papá, quero fazer xixi.” Ó cum caneco. Poderei ter usado linguagem mais vernácula naquele momento :rolleyes::oops: É que, por muito viajada que seja, a Mimi simplesmente não faz sem ser numa casa de banho. É meia noite, estamos no meio do nada e olho em redor para a penumbra que nos rodeia e a quase total ausência de estruturas humanas.
Divirto-me por uns segundos a pensar em quão divertido seria eu chegar a uma das casas isoladas que vejo ao longe e arrancar um qualquer norueguês da sua cama, batendo-lhe à porta à meia noite, e perguntar em inglês “Boa noite!" com um largo sorriso. "Importa-se que a minha filha use sua casa de banho?”
Subitamente, que nem uma estrela cadente a cruzar o céu estrelado noturno, faz-se luz. Lembro-me da história da casa de banho pública na baía seguinte. Já Einstein dizia que de génio e de louco toda a gente tem um pouco. No meu caso, é mais o segundo que o primeiro, mas deu muito jeito nesta noite.
Lá vamos nós, aurora a brilhar por cima de nós, à procura da casa de banho. Percorremos a baía na sua totalidade mas não encontramos a dita casa de banho. Será que não é aqui ou que são apenas histórias? Paro o carro e saio a pé, em busca da casa de banho perdida. Espero que não haja nenhum norueguês mal disposto por aqui, caso contrário ainda levo uma chumbada no lombo. “Papá, estou mesmo aflita!” e a pressão aumenta. Finalmente, vejo uma pequena estrutura que mais parece uma casota de cão de um são bernardo do que uma casa de banho mas chegando mais próximo, reparo que tem escrito “Toalett”. Eureka!
Ora bem, para abrir esta preciosidade, é necessário uma moeda de 5 coroas. Ok, moedas. Chiça, será que tenho moedas?!? Parece que vejo tudo em camara lenta, à medida que abro a carteira e sinto qualquer coisa no porta moedas. Tenho uma moeda parece. Há umas 5 moedas diferentes na coroa norueguesa. Será possível que ... ao abrir o porta moedas, oiço anjos e orquestras celestiais a debitarem melodias triunfais. É uma moeda de 5 Kr! Agora, antes de meter a moeda, olho desconfiado para o mecanismo algo ferrugento onde tenho que enfiar a moeda. E se isto encrava? Não tenho outra. Bom, pensamento positivo. Enfio a moeda muuuuuito lentamente, com imeeeeenso jeitinho até que está perfeeeitamente alinhada com a ranhura. Olho para a minha mulher e não consigo evitar um sorriso nervoso (e parvo, diga-se). Pego no manipulo e rodo, com meia força. Oiço as engrenagens funcionar e liberto um sonoro “Yess!!” meio em surdina, que ainda assim ecoa pela baía silenciosa. Vejo que as instalações estão limpas e até tem papel higiénico. Viva o obstinado espírito nórdico!
Enquanto a Mimi está ocupada, saco as últimas fotografias na baía em frente, onde uma única mas bela onda verde dança graciosamente no céu. Como se de um guião de filme se tratasse, a Green Lady acedeu a dar-nos um final muito feliz para a nossa odisseia.
Vista noturna sobre a ponte e catedral de Tromso
O Paciente Português
Dia 8 (01/04)

Terminada a aventura em Tromso (o principal propósito da viagem), apanhamos agora o vôo de regresso a Oslo, onde ainda passaremos 2 dias com um amigo meu de infância que lá vive e trabalha, e que insistiu que ficássemos na casa dele perto de Lysaker durante a nossa estadia. Tem duas filhas da idade da Mimi, algo que também torna a experiência mais interessante para a nossa filhota. Fazer checkin do voo para Oslo tendo o bilhete no seu próprio telemóvel acarreta algum orgulho notório na Mimi. It’s the little things ...
Chegados a Oslo, apanhamos o comboio para ir de encontro ao meu amigo. Combinámos ir fazer ski numa das poucas estâncias que ainda estão abertas em Oslo, já que a neve já desapareceu da maioria delas nesta altura do ano.
Antes, passamos por Holmenkollbakken, onde nos mostra a impressionante pista de saltos de ski. É possível ir mesmo até lá cima, onde se tem uma vista brutal. Vale a pena.
Seguimos para o Oslo VinterPark onde alugamos o material de ski e uma aula de 2h, para mim e para a Mimi. A senhora Calu não gostou da sensação das incrivelmente rígidas botas de ski e o efeito que as mesmas poderiam ter na suas antigas lesões de tornozelo, pelo que (talvez sensatamente) opta por ficar de fora desta vez. Cá para mim, ela quis ficar de fora foi para apreciar um certo hipopótamo a dançar numa loja de candeeiros.
A professora de ski é simplesmente incrível. Depois das primeiras dicas e movimentos básicos estarem dominados, iniciamos as tentativas de downhill em pequenas descidas. Curiosamente, as quedas são muito menos frequentes e espetaculares que no cross country, apesar da velocidade aumentar. Ajuda bastante o facto de termos alguém que sabe e quer ensinar, e que sabe o que está a fazer. Uma vez mais, a destreza da Mimi ofusca as minhas melhores tentativas e enquanto ela já aprende como virar enquanto desce, eu ainda me foco em descer a direito e travar. Já não é mau.
Quando começo a tentar virar empurrando o joelho do lado contrário (de acordo com as dicas da professora), faço-o com a graciosidade de um elefante que pratica patinagem artística. Vou sempre a direito.
Entretanto, passam por mim miúdos de 2/3 anos que fazem a descida numa bisga que resultaria em morte certa, caso eu tentasse a mesma façanha. Olham para o meu estilo rígido e bamboleante com uma expressão do estilo “Este senhor tem alguma doença?”
O que é incrível é que à medida que mudamos para as rampas maiores onde já consigo descer sem cair e travo bem no fim, a professora desce de costas à minha frente e de vez em quando alinha-me os skis com as mãos (enquando desliza de costas), quando eu tento virar (e falho miseravelmente). Impressionante. No fim da aula, consigo descer a rampa maior e travar em segurança, algo que amplia o gozo de uma primeira experiência muito bem sucedida no downhill. Recomendo vivamente um bom professor(a) antes de se atirarem a esta experiência, mas sem dúvida repetiremos no futuro. A Mimi também adorou.
Um Dia No Museu
Dia 9 (02/04)
Com previsão e confirmação de aguaceiros, dedicamos a manhã seguinte a dois dos museus que me despertaram mais interesse à partida: o Viking Museum e o Kon-Tiki museum.
Ambos os museus estão próximos um do outro. O Viking Museum contém dois barcos viking em excelente estado de conservação (um deles deveras impressionante), para além de inúmeros outros artefactos dessa era, bem como bastante informação sobre o modo de vida e práticas dos Vikings.
O Kon-Tiki museum (um dos meus favoritos) é uma homenagem às odisseias do incrível explorador norueguês Thor Heyerdahl (1914-2002).
Kon-Tiki foi o nome do barco utilizado por este explorador, na sua expedição pelo Oceano Pacífico, partindo da América do Sul para a Polinésia, em 1947, com o intuito de demonstrar a possibilidade de que a colonização da Polinésia tinha sido realizada por via marítima por indígenas (ou nativos) da América do Sul. O nome do barco foi homenagem ao deus do sol inca, Viracocha, o qual era também chamado de "Kon-Tiki" pelos habitantes da Polinésia. A palavra "tiki" significa um deus, portanto, o deus Kon. Kon-Tiki é também o nome do livro que Heyerdahl escreveu sobre sua expedição.
Eu já tinha visto o (excelente) filme há uns anos e fiquei apaixonado pela história e espírito do explorador. Visitar o este museu e ver à minha frente O barco que ele usou na primeira expedição foi incrível. A juntar a isto, o museu contem ainda réplicas de tamanho real de outras embarcações que ele usou em expedições seguintes, bem como paletes de informação sobre as mesmas. Foi uma manhã de museus verdadeiramente fascinante.
Depois de almoço, com a chuva a amainar, visitamos o inevitável Vigeland Park. Se adorámos o parque num dia de chuviscos, imagino num dia solarengo.
O parque é enorme, muito agradável e contém as famosas estátuas criadas pelo artista que dá nome ao parque: Gustav Vigeland. Este é o maior parque de esculturas do mundo feitas pelo mesmo artista e é uma das atrações mais populares não só de Oslo, como da Noruega. São mais de 200 esculturas em bronze, granito e ferro forjado. Gustav foi também o responsável pelo design e desenho arquitetónico do parque. Recomendo vivamente, mesmo em dias farruscos, como foi o caso. Tempo ainda para visitarmos downtown Oslo, bem como o impressionante edifício da ópera de Oslo.

Regresso Ao Futuro
Dia 10 (03/04)

Dia de regressar a casa.
Pensei em apelidar este último capítulo de Regresso ao Presente, adulterando uma vez mais um título de um filme conhecido, mas o título original é mais adequado. Porquê? Regressando a casa e à realidade das coisas mundanas, a minha mente já divaga sobre quando posso voltar a um local onde possa tentar novamente observar as auroras, entre outras coisas interessantes que esse sítio ou país possa ter. Rapidamente emerge um destino no horizonte a que muita gente se refere como “um dos países mais bonitos do mundo”. O blog “Viajar Entre Viagens” (um dos meus blogs de viagem favoritos) assim o designa na excelente crónica de viagem que os mesmos escreveram quando estiveram nesse destino.
Curiosamente, passados apenas 6 meses sobre a nossa viagem a Tromso, estou neste momento a planear a nossa viagem na Páscoa de 2017 à Islândia. Combinando a diversidade incrível de ambientes e paisagens que a Islândia tem, com a possibilidade elevada de observar auroras, promete ser uma experiência a todos os títulos épica! Mesmo se não tivermos sorte com as auroras.
Não sei que mais possa dizer sobre esta viagem. Este fenómeno das auroras pode apelar mais a umas pessoas que a outras. Algumas poderão até ser-lhe indiferentes. Para mim foi importante a confirmação de que Tromso é um destino interessante e cheio de possibilidades, independentemente de se conseguir ver as auroras ou não. Felizmente compensou todo o cuidado que tive na preparação da mesma e o longo trabalho de investigação para tentar aumentar as probabilidades de atingir o principal objetivo durante o período que lá estivéssemos.
Foi uma viagem cheia de primeiras vezes, em termos de experiências: auroras, cross country ski, huskies, snow mobiles, downhill ski, snow shoeing, etc. Foi fabuloso. Fazer com que a viagem fosse interessante, mesmo que não víssemos as auroras era fundamental. Mas o espetáculo das auroras era o prato principal. O problema é que, pelo menos no nosso caso, este é daqueles pratos que depois de se provar, quer-se muito mais. Espero que a Islândia seja igualmente nossa amiga e que nos dê vários céus limpinhos para podermos voltar a ver o fenómeno mais mágico que já presenciei. Sei que se isso acontecer, sei que lágrimas serão vertidas novamente. E estará tudo bem. Porque essa emoção da descoberta e surpresa é um dos principais motivos que me leva a viajar.

Grande abraço a toda a equipa do portal e a todo o pessoal que teve a paciência de ler este report até ao fim :D Se uma pessoa sequer vier a fazer uma viagem similar inspirada por este report e regressar satisfeita, então todo esta lenga lenga já terá valido a pena :)
 
Última edição:

lfdm

Membro Conhecido
Muito obrigado pela partilha.
Para além de um excente report com excelentes fotografias, o teu report é também uma verdadeira partilha de conhecimento :)
 

Ricardo_7

Membro Conhecido
Olá,

Sempre que existe um report teu, é sucesso garantido. Já o disse, e volto a dizer, fazes dos melhores reports que existem aqui no portal das viagens, uma pessoa parece que os vive. Simplesmente fenomenal, não tenho mais nada a dizer (há excepção que as fotos estão soberbas :) ).

Muito obrigado e que venha o livro das viagens! ;)

Boas viagens :)
 

Dfer

Membro Ativo
Obrigado pela partilha!
Como sou um apaixonado pela Noruega, este report teve um gosto especial para mim.
Muito bom :)
 

rum

Membro Conhecido
Eh caramba... já tenho programa para o serão de hoje. Há aqui muita matéria para ler.
 

PauloNev

Moderador Honorário
Staff
Muito obrigado pela partilha.
Há muito que o Portal aguardava por mais um report teu, este a teve direito a votação e tudo. :)
Este à semelhança de outros escritos por ti, são mais do que um report, são uma história contada na primeira pessoa, cheia de belas fotos, bons textos, e momentos de humor, que dão vontade de apanhar o avião e ir para o destino e viver experiências semelhantes.
As auroras boreais são sem dúvida um fenómeno natural espectacular, que gostava muito de ver in loco. Talvez um dia esqueça a "alergia" ao frio e embarque nessa aventura.
Ficamos a ansiosamente a aguardar o próximo report.
Boas viagens ;)
 

ploferreira

Administrador
Staff
Olá Calu,

Valeu a pena a espera, uma grande viagem que teve direito a um report à altura.

As fotos como sempre estão muito boas, continua com o bom trabalho ;)
 

CristinaBF

Membro Conhecido
Olá @calu
Exelente report, com muito conhecimento e um diário de viagem unica, gostei.
Belas fotos :)
Boas viagens para excelentes reports.:)
 
Última edição por um moderador:

correia

Membro Conhecido
Parabéns pelo relato magnifico da tua aventura .
Excelente report sem esquecer as fotos fantásticas.
Obrigado pela partilha :)
 

ALTF4

Membro Conhecido
Completamente surreal....
Tambem tenho uma filha com 10 anos... e chamo-lhe Mimi... adora viajar... :)
 

calu

Membro Conhecido
Obrigado pessoal, é um prazer escrever sobre viagens, não só pela partilha e utilidade que isso pode ter para outros, mas também porque me permite voltar a viajar um pouco novamente, e ao mesmo tempo documentar a viagem para o nosso histórico familiar.

Olá, Sempre que existe um report teu, é sucesso garantido. Já o disse, e volto a dizer, fazes dos melhores reports que existem aqui no portal das viagens, uma pessoa parece que os vive. Simplesmente fenomenal, não tenho mais nada a dizer (há excepção que as fotos estão soberbas :) ).
Muito obrigado e que venha o livro das viagens! ;) Boas viagens :)
Gostava muito, mas custa muito €€€ fazer um livro por cá ;)

Obrigado pela partilha! Como sou um apaixonado pela Noruega, este report teve um gosto especial para mim.
Muito bom :)
Percebo perfeitamente. Eu não era, mas passei a ser apaixonado pela Noruega :)

Muito obrigado pela partilha. Há muito que o Portal aguardava por mais um report teu, este a teve direito a votação e tudo. :)
Este à semelhança de outros escritos por ti, são mais do que um report, são uma história contada na primeira pessoa, cheia de belas fotos, bons textos, e momentos de humor, que dão vontade de apanhar o avião e ir para o destino e viver experiências semelhantes. As auroras boreais são sem dúvida um fenómeno natural espectacular, que gostava muito de ver in loco. Talvez um dia esqueça a "alergia" ao frio e embarque nessa aventura. Ficamos a ansiosamente a aguardar o próximo report. Boas viagens ;)
Tromso até é uma zona bastante temperada, tendo em conta quão a norte se encontra, como se pode verificar pelas temperaturas que mencionei. Não apanhei nada mais frio do que já tenha apanhado em Portugal no pico do Inverno :)

Completamente surreal.... Tambem tenho uma filha com 10 anos... e chamo-lhe Mimi... adora viajar... :)
Que giro :) A nossa começou por ser Mi, depois passou a Mimi :) No próximo report (safaris por África), terá também algumas fotos tiradas pela própria Mimi ;)
 

zb007

Membro Conhecido
Fantástico e de sonho, um sonho que também espero um dia cumprir. Mais que umas férias é uma enorme aventura. Obrigado por nos deixar ver e sentir com estas fotos.
 
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