calu
Membro Conhecido
Este report é-me particularmente querido. E especial. Quem tiver paciência de o ler na integra facilmente perceberá porquê. Há certo tipos de viagem que nos mudam ou que nos fazem apreciar ainda mais quem viaja connosco ou as pessoas que conhecemos.
Dedico este report em especial à Mimi, a super filhota de 10 anos que é uma autentica viajante de plano direito, apreciando e aguentando alegremente sejam safaris de 12h em África, sejam caminhadas de 6h na Croácia a ver cascatas, sejam dias sucessivos a dormir 4/5h em Tromso, após epopeias de 8 horas de caça noturna a auroras. E também à senhora Calu, incrível parceira de viagem há 16 anos e parceira de vida há mais ainda.
INTRODUÇÃO
O nosso planeta é incrível. Apesar da obstinada destruição que levamos a cabo em nome do progresso e que gradualmente acabará por destruir a maioria das belezas naturais que temos (veja-se o caso das notícias recentes e profundamente perturbadoras sobre a Grande Barreira de Coral da Austrália), a Terra resiste, ferida, mas não derrotada, e insiste em premiar-nos com inúmeros espetáculos naturais, preservando estoicamente uma montra viva da sua beleza e esplendor, esperando que a maioria de nós repare atempadamente o suficiente, para querer protegê-la e de alguma maneira, ajudar a mudar o rumo das coisas … ainda que essa mudança só possa ocorrer ao longo de várias gerações, como bem sabemos. Claro que uma tal mudança reveste-se hoje em dia de um caráter quase utópico e idealista, tão complexas que são questões como o aquecimento global, a destruição das zonas naturais, a sustentabilidade dos recursos energéticos, etc. Não quero entrar por aí.
Assim, quero sim dizer que sou, orgulhosamente e há já muito tempo, uma das muitas pessoas que está cada vez mais atenta ao esplendor do nosso planeta, à beleza das grandes e pequenas coisas que nos proporciona, e que defino cada vez mais como prioridade nas minhas viagens, o apreciar dos mais belos espetáculos que a natureza nos possa oferecer. Recentemente, já retirei grandes frutos desta abordagem. Não é por acaso que as 3 últimas viagens que fizemos estão entre as mais memoráveis dos nossos 15 anos como globetrotters. Experienciámos alguns dos momentos mais memoráveis e emocionantes das nossas vidas nos últimos 2 anos. Mas já lá vamos. Um report de cada vez
Poucos fenómenos naturais captam a nossa imaginação e fascínio como as auroras boreais. Ao longo da nossa história, diferentes povos criaram lendas para tentar explicar o que é a aurora boreal. Os gregos pensavam que era Aurora, a deusa do amanhecer, passando pelo céu com sua carruagem para anunciar a chegada de um novo dia. O movimento das luzes era relacionado a Bóreas, o deus do vento do Norte. Foi por causa desse mito que o fenómeno ganhou esse nome. Para o povo indígena Sami, cujos descendentes ainda habitam alguns países do norte da Europa (incluindo a Noruega), as luzes da aurora boreal tinham origem nas almas dos mortos. Já os finlandeses diziam que elas surgiam quando uma raposa mágica balançava sua cauda e enviava faíscas ao céu. Esses e outros mitos só mostram o quanto esse fenómeno fascina as pessoas desde a Antiguidade e continua a fascinar hoje em dia. Não é à toa que muitas pessoas programam viagens para o norte da Europa e ou norte do Canadá só para poder experienciá-lo ao vivo.
Eu tornei-me numa dessas pessoas.
O professor wikipedia explica: o Sol solta constantemente rajadas de vento solar (umas vezes mais fortes, outras vezes mais fracas) carregadas de partículas chamadas íons. Após viajar pelo nosso sistema solar em direção à terra, cerca de 24h depois, uma parte dos íons fica presa na atmosfera da Terra, nas regiões onde ficam os polos magnéticos perto do polo norte (aurora boreal) e do polo sul (aurora austral), e colide com outras partículas de nossa atmosfera. A energia que resulta dessas colisões forma as luzes da aurora boreal.
As cores dependem da altitude e das partículas que colidem umas com as outras. A mais comum é a verde, quando os íons atingem partículas de oxigênio a uma altitude mais baixa. Também é possível ver luzes amarelas, vermelhas, azuis ou roxas, mas são mais raras e ocorrem mais durante tempestades solares mais fortes.
PREPARAÇÃO
No ano passado cumprimos um sonho de infância ao fazer vários safaris em África. Ficaram fabulosas memórias gravadas a fogo nos nossos corações. Já este ano, voltou a acontecer o mesmo com a nossa roadtrip pelos parques nacionais dos EUA. Como tal, decidi que é em manter essa abordagem que reside um dos maiores valores que podemos retirar de viajar: viagens que nos acompanham nos nossos sonhos, que nos emocionam, que nos enriquecem ou transformam, seja pelas pessoas que nos acompanham, pelas que conhecemos, pelas experiências e vivências que nos proporcionam, por aquilo que descobrimos e pela maneira como essas vivências nos mudam e nos fazem crescer. E como nos fazem sentir que, quanto mais viajamos e mais sítios conhecemos, melhor entendemos o nosso lugar no mundo e quão pequeninos somos.
Desde a primeira vez que vi uma aurora boreal num documentário na televisão que imaginei como seria ver este fenómeno ao vivo. E todos sabemos que por mais bem tiradas que sejam as fotografias ou vídeos, nada se compara à experiência de estar no local, em particular quando falamos de locais ou fenómenos naturais. Á medida que as redes sociais foram difundindo cada vez mais fotos, timelapses e vídeos incríveis das auroras boreais, assim foi crescendo o meu fascínio e desejo de ver este fenómeno pessoalmente. Depois do safari do ano passado, e após conferenciar com o concelho familiar, decidimos que estava na altura de tentar ver as auroras boreais.
Porquê “tentar”? Porque na natureza nada é garantido, por melhores que sejam as probabilidades em certa altura ou em certo local. Há sempre o risco de não termos sorte e de a natureza nos fechar a porta nessa altura. Assim, lancei-me de alma e coração no desafio de criar condições para que a nossa viagem pudesse ter as melhores probabilidades de sucesso em ver as auroras, ao mesmo tempo que desenhava um plano igualmente interessante de outras atividades, para a eventualidade de termos azar com o nosso principal objetivo. E manter uma certa filhota de 9 anos igualmente contente e interessada na viagem.
Pretendia dar-nos as maiores chances de sucesso, tendo em conta o nosso orçamento e alturas do ano em que podemos viajar. A investigação durou largas semanas (assim o ditou o trabalho que me interrompia 8h por dia). As ferramentas principais foram as do costume: google maps, tripadvisor, muitas buscas tipo “best places to see aurora”, “top places for aurora borealis”, “how to photograph auroras”, por aí fora.
Como provou a minha busca pelo tubarão baleia documentada no meu último report das Maldivas, a natureza dita as suas leis e os nossos objetivos muitas vezes não coincidem com a vontade dela. Os fenómenos simplesmente acontecem de acordo com o relógio natural das coisas. Eu estava determinado a evitar novo fiasco, como aconteceu em 2015 nas Maldivas com o gentil mas esquivo gigante dos mares.
Rapidamente me apercebi (com algum alívio) que a quantidade de informação sobre o tema é bastante vasta e detalhada, pelo que era uma questão de organizar essa informação de forma a tomar as melhores decisões.
Organizei um rol de perguntas para me ajudar a organizar o turbilhão de informação com que a net me inundava após cada busca, e para conseguir ir filtrando toda a informação, até chegar ao que eu pretendia:
Tromso. O apontador vermelho no mapa. Uma pequena cidade no norte da Noruega com quase 70.000 habitantes, já dentro do circulo polar ártico, a pouco mais de 2.200 km do Pólo Norte. Para terem um termo de comparação em como Tromso é MUITO a norte: a Islândia, local famoso pelos seus glaciares, paisagens incríveis e conhecido local onde se avistam auroras boreais está maioritariamente no paralelo 66. Tromso está no paralelo 69 (2 paralelos mais próximo do polo norte).
Ainda assim, Tromso apresentava temperaturas médias bastante amenas em março/abril, boa oferta de alojamento e alimentação, algo cara (Noruega, já se sabe), boas estradas e um aeroporto com voos diários e relativamente baratos de/para Oslo.
Em comparação com outros locais, o Alaska era demasiado longe, caro e remoto para crianças, Islândia parecia ter menos atividades de interesse para crianças (embora seja um destino incrível e já constasse da minha shortlist de próximas viagens) tinha logística mais complicada e menos oferta de tours de auroras. Na altura do ano em que queríamos fazer a viagem, o local mais propício era também Tromso e tinha ainda a vantagem de me fazer passar por Oslo, onde vive um amigo de infância.
Em vários sites, é referido que a probabilidade de ver em Tromso é superior a 80% durante a temporada (setembro a abril), altura a partir da qual a noite fica cada vez mais pequena até que o sol não baixa sequer ao horizonte. Isto significa que Tromso também é um excelente local para observar o sol da meia noite. No ano passado, um dos operadores de tours de auroras que usámos, teve uma taxa de sucesso nos seus tours de 87%. Como poderão ver mais abaixo nas informações, decidi pre-contratar tours de auroras.
Porquê tours e não ir à procura por conta própria? Mais uma vez, teve muito a ver com o tentar aumentar as nossas possibilidades. Pelo que tinha lido antes, uma pessoa nesses sítios até pode ter a sorte de ver no único dia em que está em Tromso e no limite, até da cama do seu hotel. Da mesma maneira, também pode acontecer passarem-se 3 ou 4 dias e não conseguir ver porque dois dias esteve o céu nublado à noite e nos outros dois a atividade solar era fraca durante as horas em que se andou a olhar para o céu. Os caçadores de auroras têm larga experiência sobre como maximizar as possibilidades de se ver este fenómeno. Começa na sua análise detalhada das informações climatéricas de cada dia, como as camadas de nuvens (high, medium, low clouds), como a previsão solar das auroras (sim, há sites/apps que nos dão informação sobre quais os dias em que a atividade solar vai resultar em maior possibilidade de auroras mais fortes), como situações ainda mais específicas do tipo esta zona é menos propícia a ter acumulação de nuvens do que esta (menos nuvens=maior possibilidade de ver auroras) Também eles conhecem como ninguém os locais mais fotogénicos em que há menos elementos a bloquear a paisagem, ou em que locais faz menos vento enquanto estamos parados ao frio a olhar para o céu durante largas horas. Em suma, para quem não tem experiência e quer maximizar as probabilidades de sucesso, começar com um tour é, na minha opinião, o mais recomendável. Depois de já conhecer alguns dos truques que eles usam, a partir daí é diferente, como poderemos ver mais adiante. Ademais, estes tours que escolhi são feitos em carrinhas de grupos bem pequenos (9 a 12 pessoas) e não aqueles autocarros enormes cheios de variáveis que ninguém controla.
INFORMAÇÕES
O voo Oslo>Tromso era bem cedo, pelo que fizemos Lisboa>Oslo no dia anterior a meio da tarde, dormimos num hotel perto do aeroporto de Oslo (nem fomos à cidade) e apanhámos o voo Oslo>Tromso cedinho. Duas horitas depois, quase a chegar ao nosso destino, começamos a ver a maioria das pessoas a olhar pelas janelas, apontando para aqui e para ali, expressões de genuína surpresa e largos sorrisos de excitação.
As máquinas fotográficas disparam tão rápido que até fumegam. Depressa percebemos porquê. A maioria são turistas como nós e estão deslumbrados pela paisagem gelada que desfila a nossos pés.
O céu está azul, polvilhado com algumas nuvens. Um sol glorioso brilha nos picos de açúcar das pequenas ilhas geladas que povoam o mar da Noruega.
A excitação que paira no ar é reminiscente daquela que sentimos aquando da primeira vez que vimos os atóis das Maldivas a partir do ar.
Saco também eu da minha Josefina (a fiel Canon 70D) e faço os primeiros registos de uma viagem que para sempre ficará num cantinho especial do nosso coração. “Bem, isto promete.” pensei. Após a aterragem e um serviço de entrega de bagagens que nos fez lembrar os piores desempenhos da Ground Force no aeroporto de Lisboa, aproveito o wifi do aeroporto para verificar os emails e a previsão do tempo para logo à noite. São 10 da manhã e o sol matinal pôs-me otimista para uma grande primeira noite de auroras. A sensação de estar no circulo polar ártico e finalmente no sítio onde posso cumprir um dos meus grandes sonhos de viajante põe-me num estado de grande antecipação. Ainda antes de conseguir ver a previsão meteorológica, sou trazido de volta à terra: um email que recebi há minutos da Arctic Explorers informa-me que a previsão para hoje à noite é muito má num raio de 200 km em redor de Tromso (a área que normalmente eles cobrem). Dizem-me que as 3 camadas de nuvens estarão muito densas e que não estão previstas abertas até pelo menos às 04:00 da manhã, seja na costa em Sommaroy, seja na zona em redor de Tromso, seja para sul, seja próximo da fronteira da Finlândia (o mais longe que eles costumam ir). Perguntam se eu quero cancelar e obter um refund, se quero marcar para outro dia ou se quero ir na mesma.
A minha expressão muda de “wohooo!” para “#%#|\&$# !!!!”. A minha mulher olha para mim e percebe logo. Como que um parasita alojado silenciosamente na nossa mente, à espera do momento certo para nos pôr de rastos, vem-me de imediato à mente o fracasso das minhas tentativas de nadar com tubarões baleia nas Maldivas o ano passado. É como se me tivessem dado um murro no estômago. Depois do primeiro impacto, recupero o animo. Afinal, não sou propriamente um principiante e planeei esta viagem de maneira a que tivesse oportunidades e tempo suficientes para poder apreciar este fenómeno tão incrível. Não posso fazer nada para mudar o tempo, e decido que quando chegar ao quarto do hotel, ligo para eles e depois decidirei calmamente, após ouvir atentamente o que a experiência dos aurora chasers dita.
Importa fazer um pequeno à parte muito importante. Para se poderem ver auroras, em termos muito básicos, é necessária a conjugação dos seguintes fatores:
Pedi um quarto com vista mar e quando chegámos ao mesmo, tivemos a nossa recompensa: uma pequena varanda com uma vista excelente, em que até de uma das camas dá para ver o outro lado de Tromso, a famosa ponte e até a catedral de Tromso. Também na outra margem, vemos ao longe o Tromso Cable Car, um teleférico espetacular que leva os viajantes até ao topo dessa serra, mas que infelizmente estava fechado para manutenção.
Ligo para o Artic Explorers. Respondem a todas as minhas dúvidas e preocupações com um profissionalismo e honestidade quase desarmantes, como se estivessem a aconselhar um familiar deles. Apesar de me referirem sempre que “é bastante dinheiro, pense bem”, retenho um dos principais conselhos que me deu:
“Para ver auroras, quantas mais noites andarmos lá fora, maior é a probabilidade de se ver.” Como Domingo (amanhã) já tenho outro tour, pergunto se é possível reagendar para 2ª ou 3ª feira, mas respondem-me que nesses dias já têm as carrinhas cheias e não têm mais tours. Pesando os inúmeros fatores, e apesar de a possibilidade de vermos hoje ser remota, decido que vamos na mesma. Mesmo que seja uma desilusão esta primeira noite, restam-nos 5 outras noites para tentar novamente. E se não correr bem e a filhota ficar também desiludida, no dia seguinte logo de manhã planeei um tour de huskies, para levantar novamente o moral ao pessoal, caso esta primeira noite não corra tão bem. Este equilíbrio é absolutamente fundamental para fazer funcionar este tipo de viagens com crianças desta idade. E também ajuda ao moral dos adultos, claro. Afinal, ninguém é feito de ferro.
Após almoçar numa pizzaria em frente ao hotel, decidimos ir ao aquário Polaria que fica a uns meros 300m, deixando o Polar Museum para outro dia.
O Polaria lembra um pouco o aquário Vasco da Gama, no sentido em que é pequenino, mas tem um certo charme e espécies interessantes. O ponto alto do Polaria é o aquário das focas (inserir espécie) onde é possível assistir à alimentação das mesmas a horas específicas. Passamos aqui pouco menos de 2h. No caminho de regresso ao hotel, passeamos pela agradável “baixa” de Tromso, que intervala algumas belas lojas tradicionais com lojas de grandes marcas internacionais. Está tudo coberto de neve e quando vemos um jardim publico numa pequena colina com um grande tapete branco, não resistimos.
Seguiram-se outros clássicos como deitar na neve e o abre e fecha pernas/braços na neve como toda a gente já viu nos filmes (rebolar é muito mais divertido) e ainda, o nosso primeiro boneco de neve. Á medida que a tarde avança e o tempo começa a arrefecer, vou constatando com muito agrado que as roupas e acessórios que comprámos são bastante adequadas para as temperaturas que se fazem sentir e mesmo para brincar na neve.
A caminho do hotel, passa por nós um coelho da páscoa de quase 2 metros, que vai oferecendo ovos de Páscoa às crianças na rua.
Nesta altura do ano, em função das condições de luz, os tours de auroras têm início cerca das 18:30 e terminam algures entre as 00:00 e 04:00, altura em que já começa a nascer o sol. A hora de regresso depende de vários fatores como se já se viu ou não, se as pessoas já estão satisfeitas e querem regressar mais cedo, ou se ainda não se viu e tem que se ir mais longe para descobrir abertas no céu nublado, etc. Á hora marcada, encontramo-nos com a Johanna, uma simpática aurora chaser norueguesa de origem francesa com 20 e poucos anos. Vai-nos explicando que a previsão não é boa (conforme já sabíamos) mas que vai dar o seu melhor para nos ajudar a atingir o objetivo. Explica-nos que esta noite têm 3 tours (só da empresa deles). Cada carrinha sai para uma zona distinta e todos mantêm constante comunicação uns com os outros, sobre abertas no céu e avistamentos de auroras.
Pelo que me explica, tipicamente um deles sai na direção da costa, outro na direção da fronteira com a Finlândia e outro a rondar outros pontos à volta de Tromso que são bons para observação do fenómeno. Reparo que o principal indicador que eles vão consultando para análise às nuvens é a app/site Yr do Norwegian Meteorological Institute (tem efetivamente 3 níveis de nuvens na previsão). A Johanna explica-nos que primeiro vamos passar pelo escritório deles para “suit up”, ou seja, enfiarem-nos dentro de uns fatos especiais que nos ajudam ainda mais a suportar quaisquer condições adversas que possam surgir enquanto passamos horas quietos ao frio a olhar para o céu. Assim que fala que também haverá chocolate quente, bolinhos noruegueses, e até marshmallows à fogueira, vêem-se sorrisos em todos, principalmente na Mimi. A carrinha leva 9 a 10 pessoas e é confortável. Chegados ao escritório deles, apesar de levarmos as nossas próprias camadas térmicas e casacos/calças de neve, eles insistem que por cima das mesmas devemos vestir os fatos deles. Vendo a guia a vestir o fato por cima também de calças de neve, nem questiono a decisão. Os fatos são gigantescos e sinto-me que vesti um cortinado de lona grossa. A Johanna diz que deve ser mesmo assim para que o ar possa circular, caso contrário a transpiração pode criar grande desconforto, por exemplo quando se está dentro da carrinha.
De acordo com ela, as botas que nos dão para calçar por cima das nossas meias de neve e da segunda camada de meias de neve que eles nos dão, estão testadas para -60º e são os modelos tipicamente usados por quem frequenta os sítios mais frios do planeta. Basta olharem para a foto para terem uma pequena ideia de como nos sentimos lá dentro. De início, é tão desconfortável e estranho como a fotografia evidencia, mas depois habituamo-nos e conseguimos mexer-nos bem.
Encontrar um fato para a Mimi que não a faça sentir-se um anão foi um exercício interessante, mas afinal lá encontramos um modelo para pessoas mais pequenas que lhe serve. Mais ou menos
Connosco vão dois outros casais que não ganharão nenhum prémio de simpatia, apesar das nossas tentativas e da guia. O céu está coberto em Tromso. Por volta das 19:30 saímos em direção para Sul. A Johanna está em comunicação constante com os colegas. Á medida que o tempo vai passando, fazemos 2 ou 3 paragens em locais que eles costumam usar mas o céu continua completamente encoberto. Faz-se também uma paragem numa estação de serviço para quem quer ir à casa de banho (belo do café e waffles) e continuamos. Passadas umas duas horas, chegamos a Skibotn, local onde costumam ter bons resultados, mesmo em noites difíceis como esta, em que as nuvens dominam o céu. Assentamos arraial. Estamos num pequeno e bonito vale, onde um pequeno ribeiro desliza em direção ao fiorde mais próximo. A Johanna saca da lenha e de todo o estaminé que tem na traseira da carrinha e faz uma bela fogueira. Começa a assar marshmallows enquanto nós nos concentramos no céu à procura de abertas. Uma vez mais, ela contacta com os seus colegas que ainda nem sequer conseguiram ver céu, só nuvens. O local é agradável mas o que o pessoal quer mesmo é as auroras, apesar de estarmos todos cientes que o mais provável é não ver nada hoje. São umas 23:00 e ainda nada. Estão cerca de 0º e estamos há algumas horas ao frio (quem quer pode ir à carrinha ou ficar lá dentro um pouco) mas as várias camadas que temos impedem que sintamos frio. Mesmo no pico do Inverno, quando as temperaturas aqui podem chegar aos -15 ou -20 nestas caças às auroras, os fatos conseguem insular o principal do frio. Diz-me a Johanna que na vasta maioria das zonas que rodeiam Tromso, regra geral há pouco vento, o que é excelente já que zero graus sem vento é uma coisa. Zero graus com vento de 30km/h, seria algo completamente diferente (equivalente a uns -8º talvez).
Nesta altura, há uma pequena aberta por entre as nuvens e a nossa esperança aumenta ligeiramente. Passados uns 15 minutos, começa-se a notar uma pequena mancha verde no céu e a guia confirma que se trata da aurora boreal.
Dedico este report em especial à Mimi, a super filhota de 10 anos que é uma autentica viajante de plano direito, apreciando e aguentando alegremente sejam safaris de 12h em África, sejam caminhadas de 6h na Croácia a ver cascatas, sejam dias sucessivos a dormir 4/5h em Tromso, após epopeias de 8 horas de caça noturna a auroras. E também à senhora Calu, incrível parceira de viagem há 16 anos e parceira de vida há mais ainda.
INTRODUÇÃO
O nosso planeta é incrível. Apesar da obstinada destruição que levamos a cabo em nome do progresso e que gradualmente acabará por destruir a maioria das belezas naturais que temos (veja-se o caso das notícias recentes e profundamente perturbadoras sobre a Grande Barreira de Coral da Austrália), a Terra resiste, ferida, mas não derrotada, e insiste em premiar-nos com inúmeros espetáculos naturais, preservando estoicamente uma montra viva da sua beleza e esplendor, esperando que a maioria de nós repare atempadamente o suficiente, para querer protegê-la e de alguma maneira, ajudar a mudar o rumo das coisas … ainda que essa mudança só possa ocorrer ao longo de várias gerações, como bem sabemos. Claro que uma tal mudança reveste-se hoje em dia de um caráter quase utópico e idealista, tão complexas que são questões como o aquecimento global, a destruição das zonas naturais, a sustentabilidade dos recursos energéticos, etc. Não quero entrar por aí.
Assim, quero sim dizer que sou, orgulhosamente e há já muito tempo, uma das muitas pessoas que está cada vez mais atenta ao esplendor do nosso planeta, à beleza das grandes e pequenas coisas que nos proporciona, e que defino cada vez mais como prioridade nas minhas viagens, o apreciar dos mais belos espetáculos que a natureza nos possa oferecer. Recentemente, já retirei grandes frutos desta abordagem. Não é por acaso que as 3 últimas viagens que fizemos estão entre as mais memoráveis dos nossos 15 anos como globetrotters. Experienciámos alguns dos momentos mais memoráveis e emocionantes das nossas vidas nos últimos 2 anos. Mas já lá vamos. Um report de cada vez
Poucos fenómenos naturais captam a nossa imaginação e fascínio como as auroras boreais. Ao longo da nossa história, diferentes povos criaram lendas para tentar explicar o que é a aurora boreal. Os gregos pensavam que era Aurora, a deusa do amanhecer, passando pelo céu com sua carruagem para anunciar a chegada de um novo dia. O movimento das luzes era relacionado a Bóreas, o deus do vento do Norte. Foi por causa desse mito que o fenómeno ganhou esse nome. Para o povo indígena Sami, cujos descendentes ainda habitam alguns países do norte da Europa (incluindo a Noruega), as luzes da aurora boreal tinham origem nas almas dos mortos. Já os finlandeses diziam que elas surgiam quando uma raposa mágica balançava sua cauda e enviava faíscas ao céu. Esses e outros mitos só mostram o quanto esse fenómeno fascina as pessoas desde a Antiguidade e continua a fascinar hoje em dia. Não é à toa que muitas pessoas programam viagens para o norte da Europa e ou norte do Canadá só para poder experienciá-lo ao vivo.
Eu tornei-me numa dessas pessoas.
Aurora boreal vista do espaço
Antes de mais, o que é uma aurora boreal?O professor wikipedia explica: o Sol solta constantemente rajadas de vento solar (umas vezes mais fortes, outras vezes mais fracas) carregadas de partículas chamadas íons. Após viajar pelo nosso sistema solar em direção à terra, cerca de 24h depois, uma parte dos íons fica presa na atmosfera da Terra, nas regiões onde ficam os polos magnéticos perto do polo norte (aurora boreal) e do polo sul (aurora austral), e colide com outras partículas de nossa atmosfera. A energia que resulta dessas colisões forma as luzes da aurora boreal.
As cores dependem da altitude e das partículas que colidem umas com as outras. A mais comum é a verde, quando os íons atingem partículas de oxigênio a uma altitude mais baixa. Também é possível ver luzes amarelas, vermelhas, azuis ou roxas, mas são mais raras e ocorrem mais durante tempestades solares mais fortes.
Video explicativo da aurora boreal:
PREPARAÇÃO
No ano passado cumprimos um sonho de infância ao fazer vários safaris em África. Ficaram fabulosas memórias gravadas a fogo nos nossos corações. Já este ano, voltou a acontecer o mesmo com a nossa roadtrip pelos parques nacionais dos EUA. Como tal, decidi que é em manter essa abordagem que reside um dos maiores valores que podemos retirar de viajar: viagens que nos acompanham nos nossos sonhos, que nos emocionam, que nos enriquecem ou transformam, seja pelas pessoas que nos acompanham, pelas que conhecemos, pelas experiências e vivências que nos proporcionam, por aquilo que descobrimos e pela maneira como essas vivências nos mudam e nos fazem crescer. E como nos fazem sentir que, quanto mais viajamos e mais sítios conhecemos, melhor entendemos o nosso lugar no mundo e quão pequeninos somos.
Aurora boreal vista do espaço
Recuperando uma frase minha de um outro report: “(…) com a areia esvaindo-se aos poucos, a ampulheta do meu subconsciente mantém-me em sentido para aproveitar a vida, sem urgências ou pressas, mas com consciência de que a nossa experiência na Terra não é permanente (…)”
Desde a primeira vez que vi uma aurora boreal num documentário na televisão que imaginei como seria ver este fenómeno ao vivo. E todos sabemos que por mais bem tiradas que sejam as fotografias ou vídeos, nada se compara à experiência de estar no local, em particular quando falamos de locais ou fenómenos naturais. Á medida que as redes sociais foram difundindo cada vez mais fotos, timelapses e vídeos incríveis das auroras boreais, assim foi crescendo o meu fascínio e desejo de ver este fenómeno pessoalmente. Depois do safari do ano passado, e após conferenciar com o concelho familiar, decidimos que estava na altura de tentar ver as auroras boreais.
Porquê “tentar”? Porque na natureza nada é garantido, por melhores que sejam as probabilidades em certa altura ou em certo local. Há sempre o risco de não termos sorte e de a natureza nos fechar a porta nessa altura. Assim, lancei-me de alma e coração no desafio de criar condições para que a nossa viagem pudesse ter as melhores probabilidades de sucesso em ver as auroras, ao mesmo tempo que desenhava um plano igualmente interessante de outras atividades, para a eventualidade de termos azar com o nosso principal objetivo. E manter uma certa filhota de 9 anos igualmente contente e interessada na viagem.
Pretendia dar-nos as maiores chances de sucesso, tendo em conta o nosso orçamento e alturas do ano em que podemos viajar. A investigação durou largas semanas (assim o ditou o trabalho que me interrompia 8h por dia). As ferramentas principais foram as do costume: google maps, tripadvisor, muitas buscas tipo “best places to see aurora”, “top places for aurora borealis”, “how to photograph auroras”, por aí fora.
Como provou a minha busca pelo tubarão baleia documentada no meu último report das Maldivas, a natureza dita as suas leis e os nossos objetivos muitas vezes não coincidem com a vontade dela. Os fenómenos simplesmente acontecem de acordo com o relógio natural das coisas. Eu estava determinado a evitar novo fiasco, como aconteceu em 2015 nas Maldivas com o gentil mas esquivo gigante dos mares.
Rapidamente me apercebi (com algum alívio) que a quantidade de informação sobre o tema é bastante vasta e detalhada, pelo que era uma questão de organizar essa informação de forma a tomar as melhores decisões.
Organizei um rol de perguntas para me ajudar a organizar o turbilhão de informação com que a net me inundava após cada busca, e para conseguir ir filtrando toda a informação, até chegar ao que eu pretendia:
- Quais os melhores sítios no mundo onde se pode ver este fenómeno?
- Onde se vê com mais com mais frequência?
- Quais as probabilidades nas alturas em que posso viajar?
- Quais as temperaturas médias nessa altura do ano?
- Quais destes destinos são mais perto de mim?
- Para quais consigo viajar mais barato?
- Para além das auroras, que outras atividades interessantes podemos fazer nesse local?
- Há atividades interessantes para crianças com 9 anos? J (uma das questões mais importantes para o sucesso da viagem)
- Tenho algum amigo nesses destinos que possa visitar?
- Há outros pontos de interesse que um destino tenha a mais que o outro?
- …entre muitas outras …
Tromso. O apontador vermelho no mapa. Uma pequena cidade no norte da Noruega com quase 70.000 habitantes, já dentro do circulo polar ártico, a pouco mais de 2.200 km do Pólo Norte. Para terem um termo de comparação em como Tromso é MUITO a norte: a Islândia, local famoso pelos seus glaciares, paisagens incríveis e conhecido local onde se avistam auroras boreais está maioritariamente no paralelo 66. Tromso está no paralelo 69 (2 paralelos mais próximo do polo norte).
Ainda assim, Tromso apresentava temperaturas médias bastante amenas em março/abril, boa oferta de alojamento e alimentação, algo cara (Noruega, já se sabe), boas estradas e um aeroporto com voos diários e relativamente baratos de/para Oslo.
Em comparação com outros locais, o Alaska era demasiado longe, caro e remoto para crianças, Islândia parecia ter menos atividades de interesse para crianças (embora seja um destino incrível e já constasse da minha shortlist de próximas viagens) tinha logística mais complicada e menos oferta de tours de auroras. Na altura do ano em que queríamos fazer a viagem, o local mais propício era também Tromso e tinha ainda a vantagem de me fazer passar por Oslo, onde vive um amigo de infância.
Em vários sites, é referido que a probabilidade de ver em Tromso é superior a 80% durante a temporada (setembro a abril), altura a partir da qual a noite fica cada vez mais pequena até que o sol não baixa sequer ao horizonte. Isto significa que Tromso também é um excelente local para observar o sol da meia noite. No ano passado, um dos operadores de tours de auroras que usámos, teve uma taxa de sucesso nos seus tours de 87%. Como poderão ver mais abaixo nas informações, decidi pre-contratar tours de auroras.
Porquê tours e não ir à procura por conta própria? Mais uma vez, teve muito a ver com o tentar aumentar as nossas possibilidades. Pelo que tinha lido antes, uma pessoa nesses sítios até pode ter a sorte de ver no único dia em que está em Tromso e no limite, até da cama do seu hotel. Da mesma maneira, também pode acontecer passarem-se 3 ou 4 dias e não conseguir ver porque dois dias esteve o céu nublado à noite e nos outros dois a atividade solar era fraca durante as horas em que se andou a olhar para o céu. Os caçadores de auroras têm larga experiência sobre como maximizar as possibilidades de se ver este fenómeno. Começa na sua análise detalhada das informações climatéricas de cada dia, como as camadas de nuvens (high, medium, low clouds), como a previsão solar das auroras (sim, há sites/apps que nos dão informação sobre quais os dias em que a atividade solar vai resultar em maior possibilidade de auroras mais fortes), como situações ainda mais específicas do tipo esta zona é menos propícia a ter acumulação de nuvens do que esta (menos nuvens=maior possibilidade de ver auroras) Também eles conhecem como ninguém os locais mais fotogénicos em que há menos elementos a bloquear a paisagem, ou em que locais faz menos vento enquanto estamos parados ao frio a olhar para o céu durante largas horas. Em suma, para quem não tem experiência e quer maximizar as probabilidades de sucesso, começar com um tour é, na minha opinião, o mais recomendável. Depois de já conhecer alguns dos truques que eles usam, a partir daí é diferente, como poderemos ver mais adiante. Ademais, estes tours que escolhi são feitos em carrinhas de grupos bem pequenos (9 a 12 pessoas) e não aqueles autocarros enormes cheios de variáveis que ninguém controla.
INFORMAÇÕES
- Viajantes
- O Calu, a senhora Calu e a filhota mini-Calu (nickname: Mimi)
- Voos
- Lisboa > Oslo > Lisboa
- TAP
- Duração 4h cada trajeto
- 320 EUR pelos 3 (usei milhas, paguei só despesas)
- Se não tivesse usado milhas, ficava em cerca de 750 EUR cada adulto.
- Oslo > Tromso > Oslo
- Norwegian Airlines
- Duração 2h
- 713 EUR pelos 3
- Lisboa > Oslo > Lisboa
- Alojamentos (booking.com)
- Aeroporto Oslo: Scandic Gardermoen (1 noite)
- Tromso: Scandic Ishavshotel (6 noites)
- Oslo: casa de amigo de infância em Oslo (2 noites)
- Serviços pré-reservados (conta própria)
- 2 Aurora Tours em mini van (Arctic Explorers, excelente)
- 1 Aurora Tour em base camp (Tromso Safari, razoável)
- 1 Lapland Huski Sled tour (Viator.com)
- 1 Snowmobile tour
- 1 Cross country/Snowshoeing/Tobogganing tour (Viator.com)
- Aluguer de carro
- 1 aluguer de 1 dia ao início (Avis, dava jeito para ganhar milhas)
- outro aluguer de 2 dias já perto do fim da viagem (Avis, dava jeito para ganhar milhas)
- 1 aluguer de 1 dia ao início (Avis, dava jeito para ganhar milhas)
- Trajeto
- Lisboa > Oslo > Tromso > Oslo > Lisboa
O Dia Da Impaciência
Dias 1 & 2 (25 & 26/04)
Dias 1 & 2 (25 & 26/04)
O voo Oslo>Tromso era bem cedo, pelo que fizemos Lisboa>Oslo no dia anterior a meio da tarde, dormimos num hotel perto do aeroporto de Oslo (nem fomos à cidade) e apanhámos o voo Oslo>Tromso cedinho. Duas horitas depois, quase a chegar ao nosso destino, começamos a ver a maioria das pessoas a olhar pelas janelas, apontando para aqui e para ali, expressões de genuína surpresa e largos sorrisos de excitação.
As máquinas fotográficas disparam tão rápido que até fumegam. Depressa percebemos porquê. A maioria são turistas como nós e estão deslumbrados pela paisagem gelada que desfila a nossos pés.
O céu está azul, polvilhado com algumas nuvens. Um sol glorioso brilha nos picos de açúcar das pequenas ilhas geladas que povoam o mar da Noruega.
A excitação que paira no ar é reminiscente daquela que sentimos aquando da primeira vez que vimos os atóis das Maldivas a partir do ar.
Saco também eu da minha Josefina (a fiel Canon 70D) e faço os primeiros registos de uma viagem que para sempre ficará num cantinho especial do nosso coração. “Bem, isto promete.” pensei. Após a aterragem e um serviço de entrega de bagagens que nos fez lembrar os piores desempenhos da Ground Force no aeroporto de Lisboa, aproveito o wifi do aeroporto para verificar os emails e a previsão do tempo para logo à noite. São 10 da manhã e o sol matinal pôs-me otimista para uma grande primeira noite de auroras. A sensação de estar no circulo polar ártico e finalmente no sítio onde posso cumprir um dos meus grandes sonhos de viajante põe-me num estado de grande antecipação. Ainda antes de conseguir ver a previsão meteorológica, sou trazido de volta à terra: um email que recebi há minutos da Arctic Explorers informa-me que a previsão para hoje à noite é muito má num raio de 200 km em redor de Tromso (a área que normalmente eles cobrem). Dizem-me que as 3 camadas de nuvens estarão muito densas e que não estão previstas abertas até pelo menos às 04:00 da manhã, seja na costa em Sommaroy, seja na zona em redor de Tromso, seja para sul, seja próximo da fronteira da Finlândia (o mais longe que eles costumam ir). Perguntam se eu quero cancelar e obter um refund, se quero marcar para outro dia ou se quero ir na mesma.
A minha expressão muda de “wohooo!” para “#%#|\&$# !!!!”. A minha mulher olha para mim e percebe logo. Como que um parasita alojado silenciosamente na nossa mente, à espera do momento certo para nos pôr de rastos, vem-me de imediato à mente o fracasso das minhas tentativas de nadar com tubarões baleia nas Maldivas o ano passado. É como se me tivessem dado um murro no estômago. Depois do primeiro impacto, recupero o animo. Afinal, não sou propriamente um principiante e planeei esta viagem de maneira a que tivesse oportunidades e tempo suficientes para poder apreciar este fenómeno tão incrível. Não posso fazer nada para mudar o tempo, e decido que quando chegar ao quarto do hotel, ligo para eles e depois decidirei calmamente, após ouvir atentamente o que a experiência dos aurora chasers dita.
Importa fazer um pequeno à parte muito importante. Para se poderem ver auroras, em termos muito básicos, é necessária a conjugação dos seguintes fatores:
- Estar num local do planeta onde se pode avistar o fenómeno com frequência;
- Irmos numa altura do ano em que seja possível avistar o mesmo (haver noite/escuridão);
- Haver atividade solar suficiente (de preferência tempestades solares, que acontecem talvez 1x de 2 em 2 semanas, mais ou menos)
- E um “pequenino” pormenor final: tem que se conseguir ver o céu, entre nuvens ou numa situação ideal, sem nuvens.
Pedi um quarto com vista mar e quando chegámos ao mesmo, tivemos a nossa recompensa: uma pequena varanda com uma vista excelente, em que até de uma das camas dá para ver o outro lado de Tromso, a famosa ponte e até a catedral de Tromso. Também na outra margem, vemos ao longe o Tromso Cable Car, um teleférico espetacular que leva os viajantes até ao topo dessa serra, mas que infelizmente estava fechado para manutenção.
Ligo para o Artic Explorers. Respondem a todas as minhas dúvidas e preocupações com um profissionalismo e honestidade quase desarmantes, como se estivessem a aconselhar um familiar deles. Apesar de me referirem sempre que “é bastante dinheiro, pense bem”, retenho um dos principais conselhos que me deu:
“Para ver auroras, quantas mais noites andarmos lá fora, maior é a probabilidade de se ver.” Como Domingo (amanhã) já tenho outro tour, pergunto se é possível reagendar para 2ª ou 3ª feira, mas respondem-me que nesses dias já têm as carrinhas cheias e não têm mais tours. Pesando os inúmeros fatores, e apesar de a possibilidade de vermos hoje ser remota, decido que vamos na mesma. Mesmo que seja uma desilusão esta primeira noite, restam-nos 5 outras noites para tentar novamente. E se não correr bem e a filhota ficar também desiludida, no dia seguinte logo de manhã planeei um tour de huskies, para levantar novamente o moral ao pessoal, caso esta primeira noite não corra tão bem. Este equilíbrio é absolutamente fundamental para fazer funcionar este tipo de viagens com crianças desta idade. E também ajuda ao moral dos adultos, claro. Afinal, ninguém é feito de ferro.
Após almoçar numa pizzaria em frente ao hotel, decidimos ir ao aquário Polaria que fica a uns meros 300m, deixando o Polar Museum para outro dia.
O Polaria lembra um pouco o aquário Vasco da Gama, no sentido em que é pequenino, mas tem um certo charme e espécies interessantes. O ponto alto do Polaria é o aquário das focas (inserir espécie) onde é possível assistir à alimentação das mesmas a horas específicas. Passamos aqui pouco menos de 2h. No caminho de regresso ao hotel, passeamos pela agradável “baixa” de Tromso, que intervala algumas belas lojas tradicionais com lojas de grandes marcas internacionais. Está tudo coberto de neve e quando vemos um jardim publico numa pequena colina com um grande tapete branco, não resistimos.
Ready, set, go!
Desatamos a atirar bolas uns aos outros que nem uns malucos, enquanto Tromso continua a sua vidinha calma na estrada em frente ao jardim. Revisitamos ainda vários clássicos da neve como por exemplo a corrida a rebolar pela encosta a baixo, que termina com o pai Calu como vencedor, sendo que a filhota Calu terminou num honroso 2º lugar. O melhor de tudo foi, entre reboladelas, notar as caras pasmadas dos transeuntes que nos observavam. Isso e não ter dado de caras com um calhau grande enterrado na neve a meio da descida.Seguiram-se outros clássicos como deitar na neve e o abre e fecha pernas/braços na neve como toda a gente já viu nos filmes (rebolar é muito mais divertido) e ainda, o nosso primeiro boneco de neve. Á medida que a tarde avança e o tempo começa a arrefecer, vou constatando com muito agrado que as roupas e acessórios que comprámos são bastante adequadas para as temperaturas que se fazem sentir e mesmo para brincar na neve.
A caminho do hotel, passa por nós um coelho da páscoa de quase 2 metros, que vai oferecendo ovos de Páscoa às crianças na rua.
Nesta altura do ano, em função das condições de luz, os tours de auroras têm início cerca das 18:30 e terminam algures entre as 00:00 e 04:00, altura em que já começa a nascer o sol. A hora de regresso depende de vários fatores como se já se viu ou não, se as pessoas já estão satisfeitas e querem regressar mais cedo, ou se ainda não se viu e tem que se ir mais longe para descobrir abertas no céu nublado, etc. Á hora marcada, encontramo-nos com a Johanna, uma simpática aurora chaser norueguesa de origem francesa com 20 e poucos anos. Vai-nos explicando que a previsão não é boa (conforme já sabíamos) mas que vai dar o seu melhor para nos ajudar a atingir o objetivo. Explica-nos que esta noite têm 3 tours (só da empresa deles). Cada carrinha sai para uma zona distinta e todos mantêm constante comunicação uns com os outros, sobre abertas no céu e avistamentos de auroras.
Pelo que me explica, tipicamente um deles sai na direção da costa, outro na direção da fronteira com a Finlândia e outro a rondar outros pontos à volta de Tromso que são bons para observação do fenómeno. Reparo que o principal indicador que eles vão consultando para análise às nuvens é a app/site Yr do Norwegian Meteorological Institute (tem efetivamente 3 níveis de nuvens na previsão). A Johanna explica-nos que primeiro vamos passar pelo escritório deles para “suit up”, ou seja, enfiarem-nos dentro de uns fatos especiais que nos ajudam ainda mais a suportar quaisquer condições adversas que possam surgir enquanto passamos horas quietos ao frio a olhar para o céu. Assim que fala que também haverá chocolate quente, bolinhos noruegueses, e até marshmallows à fogueira, vêem-se sorrisos em todos, principalmente na Mimi. A carrinha leva 9 a 10 pessoas e é confortável. Chegados ao escritório deles, apesar de levarmos as nossas próprias camadas térmicas e casacos/calças de neve, eles insistem que por cima das mesmas devemos vestir os fatos deles. Vendo a guia a vestir o fato por cima também de calças de neve, nem questiono a decisão. Os fatos são gigantescos e sinto-me que vesti um cortinado de lona grossa. A Johanna diz que deve ser mesmo assim para que o ar possa circular, caso contrário a transpiração pode criar grande desconforto, por exemplo quando se está dentro da carrinha.
De acordo com ela, as botas que nos dão para calçar por cima das nossas meias de neve e da segunda camada de meias de neve que eles nos dão, estão testadas para -60º e são os modelos tipicamente usados por quem frequenta os sítios mais frios do planeta. Basta olharem para a foto para terem uma pequena ideia de como nos sentimos lá dentro. De início, é tão desconfortável e estranho como a fotografia evidencia, mas depois habituamo-nos e conseguimos mexer-nos bem.
Encontrar um fato para a Mimi que não a faça sentir-se um anão foi um exercício interessante, mas afinal lá encontramos um modelo para pessoas mais pequenas que lhe serve. Mais ou menos
Connosco vão dois outros casais que não ganharão nenhum prémio de simpatia, apesar das nossas tentativas e da guia. O céu está coberto em Tromso. Por volta das 19:30 saímos em direção para Sul. A Johanna está em comunicação constante com os colegas. Á medida que o tempo vai passando, fazemos 2 ou 3 paragens em locais que eles costumam usar mas o céu continua completamente encoberto. Faz-se também uma paragem numa estação de serviço para quem quer ir à casa de banho (belo do café e waffles) e continuamos. Passadas umas duas horas, chegamos a Skibotn, local onde costumam ter bons resultados, mesmo em noites difíceis como esta, em que as nuvens dominam o céu. Assentamos arraial. Estamos num pequeno e bonito vale, onde um pequeno ribeiro desliza em direção ao fiorde mais próximo. A Johanna saca da lenha e de todo o estaminé que tem na traseira da carrinha e faz uma bela fogueira. Começa a assar marshmallows enquanto nós nos concentramos no céu à procura de abertas. Uma vez mais, ela contacta com os seus colegas que ainda nem sequer conseguiram ver céu, só nuvens. O local é agradável mas o que o pessoal quer mesmo é as auroras, apesar de estarmos todos cientes que o mais provável é não ver nada hoje. São umas 23:00 e ainda nada. Estão cerca de 0º e estamos há algumas horas ao frio (quem quer pode ir à carrinha ou ficar lá dentro um pouco) mas as várias camadas que temos impedem que sintamos frio. Mesmo no pico do Inverno, quando as temperaturas aqui podem chegar aos -15 ou -20 nestas caças às auroras, os fatos conseguem insular o principal do frio. Diz-me a Johanna que na vasta maioria das zonas que rodeiam Tromso, regra geral há pouco vento, o que é excelente já que zero graus sem vento é uma coisa. Zero graus com vento de 30km/h, seria algo completamente diferente (equivalente a uns -8º talvez).
Nesta altura, há uma pequena aberta por entre as nuvens e a nossa esperança aumenta ligeiramente. Passados uns 15 minutos, começa-se a notar uma pequena mancha verde no céu e a guia confirma que se trata da aurora boreal.
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